terça-feira, 26 de junho de 2012

O NÓ DA VIOLÊNCIA


NO CANTO DAQUELA CALÇADA

TEM SEMPRE UM LIXO

LIXO ABANDONADO QUE MECHE

E REMECHE COM O LUXO QUE A OSTENTA

CALÇADA DESCALÇA DE RESPEITO

CALÇADA DE OLHARES CEGOS

QUE NÃO QUEREM VER

O ENTULHO QUE JOGAMOS FORA

FINGINDO NÃO SER NOSSO

LIXO QUE FEDE A ALIENAÇÃO

DE NOSSA PSEUDO CONSCIÊNCIA

QUE PRECISA SER RECICLADA.




O NÓ DA VIOLÊNCIA


  Já atendi inúmeros clientes violentos ou vítimas da violência, no entanto, a história que vou contar é, com certeza, uma história bem conhecida – “a nossa história.”

A criança que rouba a nossa bolsa ...

O adolescente que atira e mata...

O traficante que usa o menor para o crime...

O corrupto de “colarinho branco” que rouba a nossa nação...

O vandalismo que golpeia a nossa cidade...

As gangues que ferem toda e qualquer diversão...

A guerra civil fantasiada de problema social...

As autoridades que nos ameaçam muito mais do que nos protegem...

As verdadeiras autoridades desautorizadas e ameaçadas...

As leis que punem apenas os mais fracos...

A máfia que dita as leis...

As balas perdidas...

O terrorismo que parecia tão distante...

O psicopata que mora ao lado...

Os pais que espancam ou abandonam seus filhos...

Os filhos que agridem seus pais...

Os casais que se destroem mutuamente...

Os amigos que nos passam para trás...

Os profissionais que nos tratam como mercadorias...

O usuário de droga que finge não colaborar com o tráfico...

O ser humano tratando a natureza como objeto...

E, muitos de nós que ainda finge não fazer parte desta história...

Será que não temos mesmo nada haver com isto?


Quando é que vamos cair na real? Lemos as más notícias no jornal ou as assistimos nos telejornais como se fossem apenas uma tragédia do outro. Entretanto, sentimos esta onda de violência cada vez mais perto de nós. Sentimos desprotegidos, desamparados e ameaçados a todo o instante. O que faremos para mudar isto?

Deixar de ler e assistir jornais para desconectar-se desta cruel realidade?

Reclamar com nossos familiares e vizinhos?

Levar este conflito para a terapia?

Votar em branco?

Comprar um carro blindado?

Colocar vidro escuro no carro?

Não reagir ao assalto?

Andar com colete à prova de bala?

Deitar no chão num tiroteio?

Evitar frequentar ou passar por lugares ditos perigosos?

Desconfiar de todo mundo?

Andar com pouco dinheiro na bolsa?

Colocar alarme e cerca elétrica em casa?

Morar em condomínios ou em ruas protegidas por seguranças?

Rezar?

Andar armado e fazer justiça com as próprias mãos?

Contratar um segurança?

Fazer um bom seguro?

Não andar sozinho?

Morar num lugar bem tranquilo onde a violência não tenha chegado ainda?

Mudar para o exterior?

Não sair de casa?

Não participar de festas ou eventos sociais?

Reivindicar das autoridades mais policiamento nas ruas?

Não demonstrar ostentação?

Comprar um terreno na lua ou em outro planeta?


Será que tudo isto resolve o problema ou apenas previne alguns incidentes? Prevenir já é um bom passo, mas prevenções inócuas só tampam o sol com a peneira.  Se a humanidade deseja merecer a paz deverá, primeiro, aprender a se doar um pouco mais. Todo merecimento tem por trás dele uma doação anteriormente ofertada. O que a humanidade tem doado ao mundo?  Desrespeito, com certeza.

Nem sempre está ao nosso lado ou mora debaixo de nosso teto as pessoas que passam fome, as que não tem acesso a educação, as que morrem numa guerra sem sentido, a vítima da violência ou de uma bala perdida, a criança que morre de fome, o indigente, o desempregado, o doente sem atendimento médico, enfim os oprimidos e desafortunados. Nem sempre o nosso jardim lembra uma área de desmatamento e a água que a gente bebe e usa fede esgoto. A gente sabe que tudo isto existe, mas não convivemos e enxergamos, de fato, esta realidade. Como diz o ditado — “Aquilo que os olhos não veem o coração não sente”. E, se sentíssemos tudo isto na pele? Será que nossos olhos ficariam mais abertos? Será que conscientizaríamos que este universo de problemas e desequilíbrios são criados por todos nós? O que esta infinidade de pessoas violentadas e sem direito a uma perspectiva digna de vida devem sentir e desejar? Onde estão firmados os direitos de todas elas? Com certeza, num livro chamado de Constituição que, no entanto, não constitui o dia a dia delas, ou o nosso dia a dia, por assim dizer. A revolta é o único direito que nos sobra, mesmo que internalizada e transformada em doença. Doentes, formamos uma sociedade doente. A nossa revolta não semeia a paz, a nossa revolta semeia a violência e é justamente isto que estamos colhendo a todo instante.

Só uma mudança de consciência será capaz de mudar este cenário. Somos imediatistas, contudo, uma mudança de consciência não ocorre de um dia para o outro. Inúmeros mestres já pregaram esta mudança a milhares de anos atrás. Quantos passos conseguimos dar? Alguns, talvez, mas poucos, não o suficiente para construirmos um mundo equilibrado e saudável.  

Violentamos não só o ser humano; violentamos a natureza, enfim, tudo que nos cerca. Tratamos a natureza como um objeto e não como sujeito neste universo que abarca infinitas espécies, todas elas indispensáveis ao equilíbrio do todo. No entanto, o ser humano não se sente parte; sente-se o Todo Poderoso. Se rebela, a todo momento, contra a lei universal. A natureza resolveu também se rebelar frente a violência humana e nem assim grandes nações responsáveis por esta violência se conscientizam da necessidade de uma mudança. O discurso que ainda prevalece é: “Daqui a dois, cinco, dez anos a gente conversa melhor sobre este assunto”. E assim, os grandes líderes vão arrastando o problema para as gerações futuras resolverem. Ou, bem próximo de todos nós, ouvimos na roda de amigos: “Concordamos que o problema é sério, mas não podemos fazer nada para mudar a situação”. “Sou um grão de areia neste universo de problemas. A minha ação não mudaria nada”. 

        Não podemos ou não queremos agir para mudar este cenário?  Muito dinheiro deixaria de ser arrecadado por aqueles que agridem o mundo e a vida. Infelizmente, grande parte da humanidade não possui a mínima consciência daquilo que está realmente perdendo em prol das migalhas que ganha para alimentar uma pseudo vida calcada no “ter” a qualquer custo. Queremos dinheiro e poder, todavia, não percebemos que perdemos a cada dia o direito a vida.

Somos, outrora, comodistas e não atentamos ainda para o incômodo e mal estar que nos aguarda. Enclausurados pela avareza, pela inércia e pelo comodismo , roubamos do resto do mundo o direito ao paraíso que nos foi ofertado.  Não adianta culparmos os asquerosos homens do poder, se a população mundial continuar sendo conivente com estas posturas insanas. Com atitudes inconsequentes, vamos construindo o nosso inferno e o das gerações futuras. Há quem diga agora: “Eu não estarei aqui mesmo para ver!” E, eu fico a pensar: “Estão cegos mesmo”. Vivemos uma cegueira coletiva. Dói enxergar esta bagunça e toda sujeira que espalhamos em nossos podres festejos em prol de uma satisfação individualista que não leve em conta a insatisfação da maioria. Esta festa, ou melhor, esta orgia que nos embriaga com a perigosa e intoxicante consciência separatista,  já vem nos trazendo uma ressaca e um mal estar significativo. Entretanto, ainda assim, preferimos curar a nossa ressaca com os nossos recursos paliativos do que preveni-la. Sem prevenção a doença há de reinar. No reino da doença, o caminho certeiro é a morte da harmonia e do equilíbrio.

Como os grandes problemas poderão ser compreendidos num mundo carente de empatia? A compreensão de tudo que se passa é o primeiro passo para uma ação transformadora. Neste mundo capitalista há um grande entendimento das questões financeiras e pouca compreensão das questões humanitárias. Se faz muito pelos problemas econômicos e quase nada pelos problemas sociais e ecológicos. Deixamos de fazer parte de uma sociedade para sermos apenas mais um produto no mercado. Quando passamos a ter um preço, deixamos automaticamente de ter valor. No entanto, podemos valorizar mais o nosso sentido de “Ser”— Ser, sobretudo, um Ser Humano que faz a diferença num mundo demarcado pela indiferença.

Se estamos condenados pelos mais fortes e pelos inconsequentes a sofrer, o que eu, frágil e desvalorizado ser humano poderei fazer? A história abaixo lhe dará esta resposta.



A força dos fracos



Numa linda floresta habitada por um incontável número de animais e espécies, havia apenas um leão que comandava e ditava as regras. Pode parecer injusto, mas esta era a lei que  perdurava ali por milhares de anos. O poder dos leões era repassado de geração para geração e os outros animais não ousavam desafia-los ou contesta-los, pois se julgavam mais fracos e impotentes para mudar o rumo daquela história. Bom, nem todos! Em algum lugar e em algum momento sempre nasce alguém disposto a mudar a história e foi justamente isto que aconteceu nesta floresta.

Uma frágil lebre, alimento apreciado pelos leões, resolveu se rebelar. Tem gente que não acredita numa revolução sem armas. Ela também não acreditava, no entanto, a arma que  utilizava era a sua inteligência.  Portadora de sagacidade e sabedoria, resolveu travar uma revolta inteligente. Sabia que era mais frágil em termos de força física e ao contrário dos leões, não apreciava, nem um pouco, o derramamento de sangue. Quantas batalhas sangrentas foram vencidas por eles? Inúmeras, talvez todas, pois violência era o que eles mais apreciavam. A quantidade de prazer que ganhavam com estas guerras era proporcional  à quantidade de poder e dinheiro que grandes nações ganham com as suas. Era necessária uma estratégia inteligente que pudesse mover um exército de aliados à sua causa. A mais poderosa arma que possuía era a sua consciência e foi, justamente, com ela que resolveu lutar. Sabia que não seria uma missão fácil ter que armar uma enorme população com a consciência de que a mudança era necessária. Não desistiu, apesar do longo tempo necessário para executar o seu plano e das dificuldades encontradas. Sem imediatismo, atraiu adeptos e simpatizantes que pudessem ajudá-la a aumentar a força de um exército inicialmente formado apenas pelo seu desejo de mudança .

Sem que os leões se dessem conta, este exército foi crescendo e já não suportava mais a opressão. Mas, ainda assim o trono permanecia inalterado – os leões continuavam ditando as regras. Contudo, a visão agora era diferente e o lema predominante para a maioria das espécies era: “Direito e deveres para todos”! Toda vez que mudamos os nossos paradigmas, ganhamos uma nova chance de conquistarmos mais respeito. Este novo exército não possuía força física para vencer os leões, mas já haviam adquirido uma poderosa arma – “O verdadeiro desejo de mudança e o respeito por si mesmo”. Cada membro, ansioso por uma renovação, se dispunha, dia após dia, a fazer este trabalho de conscientização, o que agilizava a disseminação dos novos ideais. Apesar das mudanças não acontecerem no ritmo que a grande maioria das espécies ansiava, a lebre ficava satisfeita, pois, anteriormente, a grande maioria era acomodada e resignada a uma realidade injusta ditada pelos poderosos leões e agora já não concordavam mais com as regras estabelecidas por estes. Já velha, faleceu sem assistir a derrota dos leões. Entretanto, os seus ideais eternizaram-se não só no coração das lebres, mas, sobretudo em cada espécie daquela floresta.

 Dezenas de anos depois, uma lebrezinha perguntou ao avô:

—É verdade que esta floresta já foi comandada apenas pelos leões?

—Sim, é verdade. Respondeu o avô.

—Como foi possível uma só espécie reinar num habitat que é de todos? Perguntou a lebrezinha sem entender.

—Faltava consciência à maioria. Respondeu o avô relembrando as histórias que ouvira também do seu avô no passado.

—Vovô, como alguém pode viver sem consciência? Viver sem consciência é como viver sem água e sem comida. Aliás, a falta dela pode ser uma perigosa ameaça à nossa sobrevivência. Já ouvi contar várias histórias que tanto a água quanto o alimento acabaram em certas florestas pela falta de consciência da população que nela residia.

—Levamos muitos anos para formar lebres como você. No passado, a maioria se contentava com muito pouco. Dotados de uma pseudo consciência, acreditavam que os leões eram os únicos donos do poder.

—Quer dizer que o poder não era compartilhado? Perguntou a lebrezinha perplexa.

—Além de não ser compartilhado, tinha um sentido completamente diferente do que damos a ele hoje. Poder não era esta força comum a todos e compartilhada visando transformar o mundo num lugar melhor para todos. Poder era uma força egocêntrica visando apenas proveito próprio, no sentido de transformar o mundo num lugar bom apenas para si mesmo. Explicou o avô.

—Não consigo entender como um mundo assim pode ter dado certo.

—Mas, ele nunca deu certo. As gerações passadas assistiram com sofrimento a falência gradativa deste mundo que dotava de poder apenas os mais fortes fisicamente.

—Mas, como é que a ordem deste mundo mudou e chegou naquilo que vivemos hoje? Perguntou o neto repleto de curiosidade.

—Dizem que houve um momento que nasceu uma lebre assim como você. Uma lebre que pensava diferente de todas as espécies daquela época. Ela acreditou que suas ideias renovadoras pudessem transformar o mundo. Era paciente, sabia que tanto ela quanto seus filhos de sangue não poderiam usufruir das mudanças pelas quais tanto lutou, no entanto, tinha plena convicção que seus filhos de ideais seriam beneficiados no futuro.

—Filhos de ideais ?... Não entendi.

—Meus pais, eu, você e muitos outros somos filhos de ideais desta lebre. Não temos o mesmo sangue dela, mas temos os mesmos ideais, os mesmos sonhos, o mesmo compromisso e responsabilidade perante o mundo. O corpo daquela lebre faleceu a dezenas de anos atrás, mas ela continua viva dentro de todos nós. Explicou o avô.

—É como se ela tivesse se eternizado? Perguntou o neto.

—Exatamente. A eternidade só existe para quem se permite transcender o momento presente. É por isso que os egocêntricos temem tanto a morte. Só vivem para eles próprios, usufruindo apenas o agora, o que os impedem de deixar a centelha de vida deles dentro dos outros. Agindo assim, quando morrem, desaparecem, nada que seja deles permanece. Antigamente, havia muitos seres egocêntricos. Os leões foram os mais conhecidos. Avantajados pela força física que possuíam, usaram este poder para destruir e não para construir um mundo melhor. Todo reinado injusto tem um fim. Sempre foi assim e sempre será. Esta lei não falha.

—Que lei? Perguntou o neto confuso.

—A lei da justiça divina.  Respondeu o avô com convicção.

—Pois eu não acredito nesta lei. Como Deus pode deixar tantos seres sofrerem por dezenas, às vezes, milhares de anos, sem mover uma palha para mudar o cenário? Questionou o neto.

—Deus não muda nada. Ele não é um ser único que toma uma decisão e sai exterminando as espécies mais frágeis num momento e as mais injustas em outro. Deus é onipresente. Está em tudo e em todos. Quem muda somos nós ou a própria natureza. A justiça divina existe dentro de todos nós. Às vezes, nos acomodamos e não exercemos esta justiça em prol de nós mesmos e dos outros. Às vezes, a própria natureza se cansa dos desequilíbrios que causamos e traz a sua ordem de volta. Quantas catástrofes aconteceram numa tentativa da natureza romper com a injustiça que vinha sofrendo. Nestas situações, o aparente desequilíbrio é uma forma de trazer o equilíbrio e a harmonia de volta... Refletiu o avô.

—Vovô, você falou que todo reinado injusto tem um fim, e os reinados justos? Eles também possuem um fim?

—Os justos não reinam. Os justos compartilham e administram o poder que pertence a todos. Um justo nunca está sozinho, está sempre com todos. Um justo nunca quer ser o único, quer parcerias. Um justo não quer dominar, quer apenas doar a sua sabedoria e estará sempre junto de outros justos que possuem o mesmo fim. Agindo assim, o equilíbrio se opera e dificilmente alguém desejará rompe-lo, pois todos estão sendo beneficiados. Esclareceu o avô.

—Pelo que entendi, o mundo já foi totalmente diferente daquilo que vivemos hoje. Me parece ter sido muito injusto e dominado pelos leões que hoje são tão sábios e amigos. É difícil acreditar que no passado eles foram tão medíocres. Eles reinaram no mundo e a ignorância reinou sobre eles. Como eles perderam este poder anódino e esta ignorância?

O avô já estava cansado, mas gostava de contar esta história. Sabia que a compreensão da história é fundamental em todo processo de mudança e que a evolução da consciência se dá à partir de uma releitura constante de nosso processo histórico. Foi assim com ele e, decerto, seria com o neto. Nunca as gerações passadas abriram mão de repassar informações importantes para as gerações futuras. Os mais velhos possuíam uma sabedoria que deveria ser repassada, jamais contida. De posse desta responsabilidade, continuou:

—Depois de muita luta daquela lebrezinha que lhe falei, o desejo de mudança começou a operar em todos. Já firmado e garantido, o segundo passo deveria ser dado, pois não se muda a história apenas com desejos, mas com ações transformadoras.

Antes que o avô prosseguisse, o neto perguntou ansioso:

—Que ações foram estas?

—Assim que cada ser passou a reconhecer a autoridade dentro de si mesmo, ninguém mais reconheceu o autoritarismo dos leões como uma ordem a ser seguida. Desta forma, os leões perderam o comando. Inicialmente as espécies de considerável força física como os leões se propuseram a proteger fisicamente os mais fracos. Posteriormente, isto não foi mais necessário, pois todos descobriram que os leões jamais foram respeitados, apenas temidos. Sem admirá-los, eles perderam a auto-estima. Mal amados, foram se sentindo fracos e derrotados. Lentamente, alguns leões foram compreendendo que só seriam admirados e ouvidos se seguissem a nova lei da floresta: “Respeito, direito e deveres para todos”.

—Para quem foi transferido o reinado dos leões? Perguntou o neto.

—Para ninguém e para nenhuma espécie especificamente. Nenhum ato de fanatismo era permitido na nova ordem que se estabeleceu na floresta. Todas as espécies eram percebidas como portadoras de qualidades e defeitos, e o mais importante, como seres em processo de evolução. Ninguém era glorificado como um Deus ou eleito como o mais importante. Todos sabiam que esta atitude implicaria num retrocesso na história. Não era massacrando os leões ou transferindo o poder deles para outro ser glorificado como o mais forte e poderoso, que conseguiriam transformar aquela sociedade.

—É difícil acreditar que evoluímos tanto. Mensurou o neto.

—Não foi fácil chegar onde chegamos. Inicialmente, foi muito difícil criar uma ordem que pudesse contribuir para o bem estar de todos. Para fazer isso, alguns tiveram que abrir mão de certos privilégios. Só o processo de evolução da consciência pelo qual todos passaram permitiu isto. Encontraram conflitos, dificuldades, mas estas jamais serviram de entrave para seguir em frente. Seguiram e chegamos onde estamos hoje. Finalizou o avô abraçando seu neto com a nítida satisfação de ter sido também parte integrante desta história. Ganhou um largo sorriso do neto que parecia dizer a mesma coisa.

Talvez não tenha ficado claro e você esteja agora se perguntando como era exatamente a nova ordem que se estabeleceu naquela comunidade. Deixo a cargo da sua imaginação construí-la. Precisamos mudar a ordem deste mundo confuso e injusto que estamos vivendo. A sua imaginação, as suas ideias, os seus sonhos e ideais podem ser o primeiro passo. Juntando o seu, com o meu e com o nosso, com certeza haveremos de construir algo diferente de tudo que estamos vendo e nos oprimindo tanto.

O vovô da história já falou e eu sou vou repetir para você não esquecer: “ A justiça divina está dentro de você, portanto, só poderá ser exercida se você permitir”.




ESPAÇO DE REFLEXÃO



Somos todos agredidos, mas não precisamos ser os agressores. Deixar de adotar as atitudes abaixo, já é um grande passo para quem deseja fazer alguma coisa em prol de si mesmo e da humanidade.



(  ) Nunca participei ou colaborei com nenhum movimento em prol da paz

(  ) Nunca participei ou colaborei com nenhum movimento em prol da preservação da  natureza

(  ) Voto por interesse próprio sem pensar nos interesses da comunidade

(  ) Quando ajo ilegalmente, adoto o famoso discurso: “Todo mundo age assim!”.

(  ) Poluo o ambiente

(  ) Contribuo com o contrabando de mercadorias ilegais

(  ) Sou traficante ou usuário de drogas

(  ) Não me sensibilizo mais ao ver tanta miséria

(  ) Sou extremamente consumista

(  ) Adquiro produtos fabricados à partir da matança de animais

(  ) Mato animais ou contribuo para a morte deles

(  ) Agrido verbal ou fisicamente as pessoas

(  ) Não sou solidário

(  ) Só penso em meus interesses e desejos pessoais

(  ) Não gasto nenhuma parte do meu dinheiro ou do meu tempo em obras a favor da    humanidade

         (  ) Não recolho o meu lixo quando usufruo de atividades ou passeios em contato com a natureza

(  ) Já me acostumei com os noticiários de guerra, violência, tragédias e fome. Eles não  me sensibilizam mais.

(  ) Não contribuo com a reciclagem de nenhum produto.

(  ) Roubo ou desvio dinheiro que deveria ser dirigido à comunidade para fins pessoais

(  ) Adoto sempre aquele discurso fatídico: “Não tem jeito”!

(  ) Desperdiço

(  ) Acho que os grandes problemas que a humanidade atravessa não são meus também

(  ) Compro armas ou contribuo com o comércio das mesmas

(  ) Me julgo superior e com isso, digno de privilégios

(  ) Banco sempre o espertinho

(  ) Tenho o hábito de subornar para não sair perdendo

(  ) Não me dou ao trabalho de conscientizar ninguém sobre as ações que poderiam  contribuir para resolver ou, no mínimo, reduzir os problemas da humanidade.

(  ) Não sei quais são os meus deveres como cidadão.

(  ) Não reivindico os meus direitos enquanto cidadão.

(  ) Não cumpro os meus deveres enquanto cidadão.

(  ) Sou preconceituoso

(  ) Não tenho o costume de me colocar no lugar do outro para compreender o seu sofrimento ou suas ações. Sou mais de julgar do que de compreender.

    


PARA QUE O MAL TRIUNFE, BASTA APENAS QUE OS HOMENS DE BEM CONTINUEM INATIVOS”

(Movimento contra a violência na praia de Copacabana em abril/2007)



DESAFIO


AJA!




















terça-feira, 12 de junho de 2012

NÓ DA VAIDADE


VAI IDADE...

A SEDA QUE ENCOBRIA

MEU CORPO JOVEM

AMARROTOU

DESFAZENDO O GLAMOUR.

AMARROTADA,

PASSO ESTA ROUPA SECA

QUE ME DÁ GASTURA

COM PROMESSAS DE BELEZA

QUE NÃO VOLTA MAIS.

EMBAÇADA

A IMAGEM DO PASSADO

VIVE APENAS NA MEMÓRIA.

RELUZENTE

A IMAGEM DO PRESENTE

SE MAQUEIA E DISFARÇA

O TEMPO QUE PASSOU.

TREMIDA

A IMAGEM DO FUTURO

NÃO OUSA APRESENTAR-SE.

VAI IDADE...

DESGRUDE DE MIM

NÃO TE QUERO MAIS

FICASTE VELHA E INDESEJÁVEL

PARA UM NOVO CASAMENTO.

VAI IDADE...

NÃO ME LEVE JUNTO

LEVE O QUE SOU

TRAGA O QUE EU ERA




O NÓ DA VAIDADE



Aparecida, professora primária, parecia ser uma pessoa muito medrosa e insegura. Tinha medo de falar e aparecer em público, escrever ata, dirigir carro, embora soubesse como fazer tudo isto. Abandonou seu curso superior de Pedagogia, já no primeiro período, com o temor de não dar conta de enfrentar as dificuldades. Aparecida, era de fato, uma pessoa medrosa, no entanto existia uma dificuldade maior que tentava manter velada e que acionava o seu medo. A vaidade excessiva era um censor constante que não deixava Aparecida se expressar livremente, a menos que, pudesse demonstrar perfeição naquilo que fosse solicitada. Aparecida era acometida por fortes crises de ansiedade todas as vezes que fosse requisitada a executar tarefas simples que lhe garantisse apenas um resultado mediano, pois o seu mais profundo desejo era alcançar a inatingível perfeição. O mais interessante é que era vaidosa demais para admitir que pudesse ser vaidosa. Melhor enaltecer o medo para jamais ter que entrar em contato com um sentimento tão vil dentro de si mesma. Assim, o seu medo crescia, dia após dia, para protegê-la de si mesma, ou mais precisamente, de sua sombra. Só o processo de psicoterapia ajudou Aparecida a admitir a sua vaidade, após compreender o processo que deu origem a este sentimento.

Aparecida foi uma criança muito cobrada por sua mãe e por professoras que exigiam sempre uma ótima conduta e ótimos resultados. Era severamente punida se não satisfizesse os altos padrões de exigência destas educadoras que a deseducou para a vida.  Para se safar das punições e castigos que outrora irmãos e colegas recebiam e para não sofrer a rejeição de pessoas que tanto amava, base da formação de sua futura personalidade, Aparecida passou a se cobrar perfeição como forma de proteção. Jamais seria humilhada se desenvolvesse a identidade apreciada pela mãe e pelas professoras, proteção indispensável naquele momento de tamanha vulnerabilidade. Introjetava, temerosa, a humilhação e sofrimento que os colegas sofriam, todas as vezes que não se comportavam conforme o esperado pelas figuras de autoridade. Cultuando uma perfeição que lhe garantisse a posição de melhor, asseguraria o amor e o respeito que faltava a estes. O desejo de ser a melhor para se proteger lhe rendeu a vaidade que tanto lhe incomodava e tentava esconder.

Ver-se envolvida pelo olhar do outro era outra situação que a incomodava profundamente. Este olhar era sempre percebido como reprovador, pois acostumou-se, na infância, a perceber o olhar das figuras de autoridade como um ato exclusivo de reprovação e censura. Parece que suas educadoras não tinham tempo, disposição e aparato emocional que permitisse um olhar de carinho e presença amorosa. A busca inalcançável de perfeição era a única forma que, ilusoriamente, encontrou para extrair um olhar de aprovação. No entanto, apesar de todo seu esforço, jamais viveu a sensação de ter conseguido isto. Aparecida cresceu, mas, sempre residiu dentro dela, uma criança faminta de afeto e valorização pessoal.


É difícil admitirmos que somos vaidosos. Como Aparecida, é mais fácil focalizarmos em nossos medos, já que medo é um sentimento mais aceito socialmente. Até as religiões repugnam a vaidade, considerando-a um pecado. Ninguém quer ser considerado um pecador. Ser medroso desperta compaixão no outro, por outro lado, ser vaidoso desperta repugnância e convenhamos, ninguém deseja ser rejeitado, muito menos uma pessoa vaidosa que se viciou em admiração.

O vaidoso apesar de parecer auto-suficiente é, na verdade, extremamente inseguro. Não gosta de admitir e deixar transparecer seus limites e erros, assim, torna-se uma vítima perfeita da ansiedade quando se propõe fazer algo novo que já não esteja por demais familiarizado. É atingido por doses maciças de adrenalina ao enfrentar uma situação nova, pois exige de si ser o melhor. Sem esta exigência, foge deste enfrentamento.

O vaidoso possui uma grande ferida narcísica, ou seja, em algum momento de sua vida sentiu-se muito humilhado ou ameaçado. O orgulho é uma possante armadura que o protege de novas ameaças neste sentido. Perder a própria identidade para assumir a identidade que o seu manipulador gostaria que tivesse é outra forma de se proteger. Aparecida, por exemplo, não sabia o que gostava, o que queria da vida, que caminho gostaria de trilhar. Estava sempre à espera que alguém lhe delegasse um papel. Na terapia, estava sempre à espera que eu sugerisse o conteúdo a ser trabalhado. Por fugir tanto dos desafios, não criava problemas para a sua vida, aliás, o seu grande problema era não ter problemas. Inicialmente dizia enfaticamente que o seu único problema era o medo, posteriormente descobriu que o seu maior problemas era fugir dos mesmos criando, assim, uma vida vazia e sem objetivos.

O vaidoso só suporta o olhar do outro se for para ser admirado. Como Aparecida, ele enxerga em todo olhar a reprovação dos limites e defeitos que, a quatro chaves, asila dentro de seu ser.

É comum confundirmos vaidade com amor próprio e vice versa. Não é muito fácil delimitar a zona de transição entre um e outro. Talvez o termômetro de avaliação seja o grau de conforto e desconforto que cada um causa em nossa alma. Amar a si mesmo, admirar-se, não dói e nem exige de nós mesmos estratégias de ocultamento de nossos limites e erros. Quem se ama é, sobretudo, muito tolerante consigo mesmo. Cuidar de si mesmo não é vaidade, no entanto, cuidar de forma obsessiva de uma imagem idealizada é uma atitude vaidosa geradora de muita ansiedade e sofrimento.

Tem muita gente usando máscaras para ocultar a verdadeira imagem. Não aceitam a realidade. Transitam rapidamente por aquilo que são e estacionam a vida na ilusão de uma imagem inalcançável. Não se aceitam, fogem de si e correm atrás do inatingível. Por trás de uma máscara de felicidade, repousa uma face triste, repleta de desencanto. Difícil viver assim! Para quem tem esta dificuldade, a estória do Leão Jujuba poderá ajudar a transformar vaidade em amor próprio.




A JUBA DE  JUJUBA




Jujuba era um leão que tinha muito orgulho de sua juba. Farta e comprida, chamava atenção de toda bicharada da floresta, além de impor certo respeito. No fundo, Jujuba até achava que o respeito que conquistou se devia a sua linda e poderosa juba. Assim, cuidava da mesma como se fosse o seu bem mais precioso. Lavava com os melhores shampoos feitos de ervas raras da floresta, alisava e desembaraçava cuidadosamente com escova feita de pele de porco espinho para que nenhum fio pudesse se arrebentar ou ficar quebradiço, cacheava as pontas com rolos confeccionados com chifres de cervos, hidratava-os com óleos extraídos das amendoeiras mais antigas da região e fazia reflexos banhando-os com raios solares no início da manhã.

Muitos invejavam a juba de Jujuba e a maior aspiração da bicharada era poder conquistar uma juba que lhes garantisse poder. Alguns passavam uma vida inteira pelejando com suas jubas esfarrapadas, outros nem sequer pensavam na possibilidade de ter uma juba um dia e se lamentavam :

¾Ah, se eu pudesse ter uma juba assim! Seria admirado e respeitado por todos.

O que Jujuba mais gostava era ficar horas se admirando nas águas do lago de águas mais cristalinas da selva e se algum cisco caía sobre as águas do mesmo marejando-as, o leãozinho vaidoso ficava profundamente irritado. O macaco Sopé, que vivia feliz se divertindo e pulando de galho em galho sem nunca se preocupar com juba alguma, ficava surpreso com a obsessão que Jujuba sentia pelas águas do lago. Não se aguentando de curiosidade perguntou:

¾Por que você olha tanto para as águas deste lago? Perdeu alguma coisa aí?

¾ Perder? E por acaso eu sou de perder alguma coisa na vida? Perder é coisa de bicho fracassado. Toda vez que eu olho para estas águas eu encontro uma coisa linda e especial.

¾ Eu também posso ver esta coisa linda que você vê aí? Perguntou Sopé.

¾ Com certeza! Venha até aqui, fique do meu lado e observe atentamente.

O macaco desceu da árvore, dirigiu-se para as margens do lago e fitou as águas do mesmo procurando esta coisa maravilhosa que o leão dissera existir ali.

¾ Que graça você nisto? Perguntou o macaco com sarcasmo.

¾ Como é que você pode dizer uma coisa desta? Respeito é bom, eu gosto e exijo. Berrou o leão exalando cólera. Nunca ninguém havia desprezado a sua imagem e, de repente, aquele macaco tolo ousava desconsiderar a sua beleza.

¾Não entendi sua irritação... Não sei por que estes fachos de folhas, sementes e frutos sepultados no fundo exigem tanto o seu respeito e o de todos nós. Eu, particularmente, as prefiro no pé.

O leão ficou mais surpreso ainda com a observação de Sopé. Como ele pudera enxergar folhas ao invés de sua nítida e linda imagem? Acionando as suas garras com clara intenção de ferir o macaco, urrou com braveza:

¾Some daqui, seu idiota! Você além de cego é burro. Não consegue captar e admirar as coisas belas da vida.

Sopé, querendo se defender, deu um pulo no primeiro galho de árvore à sua frente e sumiu para dentro da selva, sabia que apesar de não possuir a força do leão, foi agraciado com muita agilidade e esperteza pela vida. Naquele exato momento, o seu instinto de sobrevivência lhe alertou deixando uma mensagem muito importante:

¾Fuja, pois Jujuba tem fome de admiração e você acabou de negar este alimento a ele.

O leão, por outro lado, ficou ali, sentado á beira do lago urrando de raiva:

¾Será que ele realmente é um idiota ou será que ele quis bancar o indiferente comigo? Se tem uma coisa que eu não suporto é a indiferença de alguém. Com certeza, ele morre de inveja de mim por não ter sido contemplado com a minha beleza e força. Fica querendo me desqualificar para se sentir mais importante do que eu.

Repentinamente, foi interrompido por uma hiena invejosa que passava por ali.

¾O que aconteceu, Jujuba? Você me parece tão irritado... Será que posso te ajudar. Você sabe o quanto gosto de você e o quanto lhe admiro. Não gosto de te ver chateado.

¾Sopé, aquele idiota, quis bancar o indiferente comigo. Você acredita que ele não conseguiu enxergar a minha imagem nestas águas? Eu fico pensando como alguém pode ser tão cego assim. Será que você também teria esta dificuldade ou imbecilidade? Perguntou, Jujuba, com ar de censura e ameaça.

¾Absolutamente! Daqui mesmo eu já estou vendo a sua juba reluzindo como um sol no fundo deste lago. Completou a Hiena, enxergando apenas os fósseis de árvores, mas com claras intenções de agradar o amigo e ganhar a sua admiração. Sabia que o maior trunfo que possuía com o amigo vaidoso era: “Contrariar, jamais!”.

Jujuba sentiu-se irradiante com as observações da amiga. Para ele, aquela era, de fato, uma pessoa de visão. Querendo receber mais elogios, cedeu também à mesma doses significativas de admiração. Sabia que a melhor maneira de colher elogios era acariciar o ego do outro.

¾Você é uma pessoa de visão! Tem gente que não enxerga um palmo adiante do seu nariz. Acho que aquele macaco só enxerga bananas.

¾Não sei como você, uma pessoa tão inteligente e brilhante, pôde ser atingido pelas idiotices de Sopé que vive alienado. Como é que você poderia imaginar que ele teria capacidade de enxergar aquilo que é realmente significativo na vida ?

Uma crítica recheada de elogios jamais feria o ego de Jujuba, pelo contrário, era um incentivo para se gabar ainda mais:

¾Eu sou muito ingênuo e humilde. Acredito na capacidade e nas boas intenções de todo mundo. Preciso aprender a colocar mais maldade nas coisas para não ser  alvo de tanta inveja. O papo está bom, mas preciso ir. Tenho um encontro muito especial hoje com uma leoa gatíssima.

¾Você vai se encontrar com Formosa? Perguntou a hiena.

¾Que Formosa, que nada! Esta leoa já é carta fora do baralho. Tem tanta gata linda por aí; eu não costumo ficar perdendo meu tempo apenas com uma. Quem pode se gabar tem que aproveitar! Quem se ama tem que exigir produtos de boa qualidade. Porcaria, nem pensar!

¾Você não é bobo, nada! Boa sorte! Quem dera se eu tivesse o prestígio que você tem. Não precisaria ficar me satisfazendo com as mocorongas que aparecem nas paradas.

¾Leoa feia é que nem leão para mim. Só mostro as garras. Completou Jujuba com sarcasmo se despedindo do amigo.

O tempo passou como passa para todos. Novos leões nasceram, cresceram e foram dominando a selva. Muitas coisas mudaram, no entanto, Jujuba não foi, ao longo de sua vida, preparado para mudanças. Estava acostumado com a visão estática de si mesmo. As mudanças acarretam perdas, coisa que nunca soubera lidar. Seu espaço foi ficando, com o passar dos anos, cada vez mais reduzido roubando-lhe o prestígio de outrora. Como num passe de mágica, sua visão foi ficando confusa. Quando se olhava no lago ainda podia ver aquele leão vigoroso de sempre, no entanto, quando se via nos olhos dos outros, via um leão feio, fraco e velho. Parecia que o mundo passou a ser reinado por infinitos Sopés e as hienas extintas do planeta. Sentia-se só e um grande fracassado, apesar de negar estes sentimentos para si mesmo. Quando alguém passava cumprimentando-o e perguntando como estava, respondia:

¾Maravilhoso, como sempre!

Sua Juba perdeu o viço de antes. Poucos fios quebradiços e sem luz restavam no alto de sua cabeça. Era como se um rei tivesse perdido a sua coroa e a sua majestade. Os bichos mais velhos, que o conhecia desde a mocidade, comentavam, discretamente,  entre si:

¾A juba de Jujuba já não é mais a mesma!

A criançada, por outro lado, com um jeito imaturo e perverso, zombava com versos cantarolados:

¾Jujuba não tem Juba

    Cadê a juba de Jujuba

     Juba, juba, juba

     Fula, fula é esta juba

É terrível quando vemos no olhar do outro aquilo que nos falta ou nos limita; pior ainda é escutar sentenças de desrespeito e reprovação. Viver assim foi deixando Jujuba muito ferido. Para não entrar em contato com aquilo que não dava conta de encarar, assumir e enfrentar foi, aos poucos, se afastando de todos os bichos da floresta. O leão solitário não havia formado família. Para se ter uma família de verdade é fundamental que qualquer ser seja capaz de enxergar algo mais que si mesmo. Jujuba não foi capaz disto. Passou uma vida inteira sem aprender e sem se esforçar neste sentido. Além de perder a beleza e a força, perdeu também a coragem, a alegria e a satisfação de viver. Tomado por uma grande depressão, entrou para dentro de uma grande caverna escura. Tomado por esta escuridão, foi um dia despertado por uma coruja que morava, também, dentro desta caverna.

¾Sou a guardiã deste mundo que você se encontra agora. Quer que eu lhe traga a morte de presente?

¾Morte? Urrou sem força e tomado de medo.

¾Sim – completou a coruja. Você está mais morto do que nunca. Talvez a morte lhe traga mais vida e mais luz. Mas, antes, você precisa conquistar uma coisa muito importante, caso contrário, vai vagar para sempre no reino das trevas.

¾Eu já conquistei muitas coisas nesta vida. Não creio que precise conquistar mais nada. Prosseguiu o leão apegado ao orgulho que sempre lhe venceu.

¾Mesmo no fundo do poço, você não perde a majestade – Ironizou a coruja sem a mínima intenção de consola-lo – Você tem certeza que não deseja conquistar mais nada? Eu posso providenciar, neste minuto, o seu passe para o outro lado. Só que você não vai gostar, nem um pouco, do que vai encontrar lá.

Jujuba percebeu que era melhor ceder à humildade que sempre rejeitou. Não tinha mais nada a perder. Mesmo que negasse, sabia que havia perdido tudo. A única coisa que lhe restava eram alguns tímidos lampejos de vida.

¾Tudo bem! O que é que eu tenho que conquistar?

¾Agora sim! Estou gostando de ver...

¾Epa! Não começa... Não estou aqui para ser humilhado. Urrou o leão aproveitando-se das poucas centelhas de força que ainda possuía.

¾Para quem acostumou a humilhar o outro é esperado que veja humilhação em tudo. Desde quando estou lhe humilhando ao dizer que estou gostando de ver algum lustro de humildade em você? Perguntou a coruja desafiando-o.

Sem querer se ater a uma questão tão delicada e incômoda, Jujuba perguntou já irritado:

¾Seja mais direta. Não gosto de rodeios. O que é que eu tenho que conquistar?

¾Você precisa conquistar a consciência de que foi um fracasso. Respondeu a coruja sem rodeios.

¾Quem é você para dizer que sou um fracasso!

¾Sou a guardiã da morada obscura do seu ser. Respondeu com firmeza.

Jujuba percebeu que apesar de pequena e frágil, aquela coruja parecia ser uma autoridade. Com toda majestade do passado ainda encrostada em sua alma, sentia que não mandava nada ali. Na verdade,  não tinha outra saída a não ser se resignar.

¾Como pode dizer que fui um fracasso se consegui conquistar a admiração de todos? Em toda a minha vida, me lembro apenas de um macaco idiota que não conseguiu enxergar o meu brilho.

¾Talvez, ele tenha sido o único a aproximar de você sem desejos de lhe paparicar. Apesar de você não saber, tem bicho que não se liga em confeccionar imagem idealizada de si e  dos outros. Vive a vida como ela é de fato.

¾Que vida é esta que você está falando? Perguntou Jujuba.

¾Uma vida que não coube em você. O seu orgulho, a sua vaidade, a sua prepotência eram as únicas coisas que lhe cabiam. Admita que não viveu! Passou uma vida inteira babando em cima de uma imagem que você idealizou para si mesmo. E, o pior é que exigia isto dos outros também.

¾Eu não exigi nada de ninguém!

A coruja deu uma grande risada. Tomada pelo riso continuou:

¾Ai de quem não admirasse você! Tornava-se, com certeza, vítima de sua ira. O máximo que conseguiu fazer para dominar o seu orgulho e a sua raiva foi dar uma de coitadinho. O que não muda muita coisa...

¾Você está muito enganada! Todo mundo me amava. Tanto é que fariam de tudo para ser igual a mim.

¾Ser amado é bem diferente de ser paparicado. O sabor da fruta do amor, você desconhece e agora é bem tarde para prová-la.

¾Você quer dizer que eu não fui agraciado pelo amor? Já que é assim, eu não tenho culpa de não ter provado esta fruta.

¾Espertinho! Você é fera nas justificativas. Só que esta não cola não. O pomar de sua vida sempre esteve repleto desta fruta. No entanto, você as deixou apodrecer no pé. Será que resta alguma ainda?

Jujuba limitou-se a ficar calado expressando uma profunda decepção para consigo mesmo. Não havia desculpas que pudesse absolvê-lo. Sentiu ali, naquele momento, que a sua consciência não aceitava mais ser ultrajada com as máscaras que usou a vida inteira. Percebeu que lhe restava ainda algumas horas para aceitar aprender o que sempre rejeitou. Humildemente, lamentou sua condição para a coruja.

¾Eu sempre pensei que me amasse profundamente...

¾Você só amou a imagem que construiu. Quando ela se ruiu, você começou a se destruir até chegar ao ponto em que se encontra agora. Quem ama não se destrói.

¾Tenho que admitir que você tem razão. Não adianta mais eu negar o que está óbvio. Você retirou as vendas que a alienação e o meu egocentrismo colocaram sobre a minha alma. Será que disponho de algum tempo a mais para viver, pelo menos, um minuto de amor?

¾Vou lhe dar vinte e quatro horas a mais de vida para que você jamais se esqueça o quanto o dia é longo e quanto você o desperdiçou. Aproveite, se for capaz!

Com muita dificuldade, frágil e sem força, Jujuba levantou dirigindo-se para a porta da caverna. Precisava, agora, apossar-se da maior valentia que sempre lhe faltou a vida inteira: “Olhar profundo nos olhos da vida”. Assim que ultrapassou a porta da caverna, uma luz lhe cegou os olhos lhe oferecendo uma outra visão. Já não enxergava mais o Jujuba de antes, agora via as árvores, os animais, os rios, lagos e um céu muito azul que lhe transmitia uma tranquilidade jamais vivenciada. Respirava fundo e sentia o aroma da natureza penetrando e purificando o seu ser mais íntimo. O vento que tocava o seu corpo, massageava-o, carinhosamente, dissipando cada tensão que o seu orgulho edificou. A terra que pisava lhe dava uma importante lição de acolhimento. Esta terra recebia todos, indiscriminadamente, até mesmo ele que nunca percebera a importância da mesma. A água que corria pelos rios fazia brotar, no fundo de sua alma, um intenso desejo de renovação. Jogou-se dentro do mesmo e tudo aquilo que não lhe cabia mais. Viu a correnteza levar toda vaidade e prepotência que o desnutriu durante toda a sua vida. Já quase no final da tarde, quando o sol repousou no horizonte, Jujuba parou, pela primeira vez, para admirar este espetáculo que a natureza lhe ofereceu durante toda a vida sem que percebesse. Emocionado com tamanha beleza, desceram de seus olhos lágrimas abençoadas que limparam ainda mais a sua alma fazendo a faxina final em cada cômodo de seu ser. Finalmente, seria agradável morar numa casa assim, límpida, humilde e sem a antiga luxuosidade que lhe impedia ter liberdade de transitar em si mesmo. Agora, mais parecido com o sol e aquecido pelos últimos raios do mesmo, foi morrendo devagarinho, mas certo de que iria renascer no outro dia com uma nova consciência.




 ESPAÇO DE REFLEXÃO



Será que você é uma pessoa mais preocupada com a sua vaidade ou com seu amor próprio? As reflexões abaixo poderão esclarecer isto. Se você alimenta a sua vaidade, com certeza, se identificará com a maioria das questões abaixo:


(  ) Não suporto a ideia de me apresentar ao outro sem uma produção prévia

( ) Fico preocupado(a) com a imagem que o outro fará de mim se me vir exatamente do jeito que sou, sem as minhas máscaras

(  ) Quero que  me achem sempre maravilhoso(a)

(   )Dou muito valor à minha aparência

(  ) Os sinais de idade que aparecem pelo meu corpo, à medida que envelheço, me deixam extremamente angustiado(a)

( ) Uso todos os métodos que me são acessíveis para retardar os sinais de decadência de meu corpo, métodos estes, muitas vezes agressivos.

(   ) Quero ser o exemplo a ser seguido

(   ) Dependo de elogios para me sentir bem

(  ) Desejo brilhar, ser o máximo e ter sempre uma plateia para aplaudir os meus feitos

(   ) Dou o máximo de mim para me tornar o máximo aos olhos do outro

(   ) Escondo, a quatro chaves, os meus pontos fracos

(   ) Invejo a beleza do outro

(   ) Sou capaz de prejudicar a minha saúde para investir na minha beleza

(   ) Se não sou aprovado(a) e elogiado(a), sofro profundamente

(   ) Valorizo a minha imagem mais do que tudo nesta vida

(  ) Passo mais tempo me embelezando (seja fisicamente ou ao ego) do que vivendo outras experiências gratificantes da vida

(  ) Deixo de ir a lugares ou de viver algumas experiências para não ter que mostrar uma imagem que rejeito em mim



DINÂMICA


Coloque uma cadeira de frente para outra cadeira. Escolha uma vaidade que lhe domina. Dramatize o papel de dois personagens. Um deles com a tal vaidade e o outro sem ela. Cada cadeira deverá acolher um personagem. Dramatize um diálogo entre os dois. Assente-se  na cadeira do vaidoso sempre que este tomar a palavra e vice versa. Voce pode descobrir coisas importantes nesta conversa.