Pálida e fria
Rouba-me tudo
Menos o medo
arcaico
De ser sua
vítima.
Vilã afável
Oferece
repouso
Eterno
repouso.
Nos seus
braços
Só não serei
furtada de mim
E sem ter ao
que me agarrar
Separada de
tudo que fui
Despida das
obrigações
Restar-me-á
apenas uma
Seguir
incerta
Sem caminhos
estabelecidos
Livre de tudo que fui
Cumprindo a
sina de ser
Apenas eu
mesma.
Passado o susto
De ter
perdido
O que nunca
foi meu
Refletindo
sobre a vida
Que não me
pertencerá mais
E que deveras
nunca pertenceu
Perceberei o
que não percebo agora:
A grande
diferença entre vida e morte
É a ilusão
que as separa
NÓ DA MORTE
Cecília vivia uma vida aparentemente tranquila, sem
qualquer incômodo significativo que pudesse abalar a sua segurança. Juntamente
com o marido e com o casal de filhos, projetou para si uma vida perfeita, sem
percalços. A execução deste projeto de vida ia bem até que um furacão
inesperado chegou varrendo toda a alegria e estabilidade que haviam construído.
A mais dolorosa separação invadiu a sua casa levando o seu único filho e todos
os projetos de vida com este. Depois deste terrível incidente, Cecília nunca
mais conseguiu ser a mesma. Tornou-se uma mulher amarga, revoltada e sem afeto.
Mesmo tendo ao seu lado o marido e a filha, dizia ter perdido tudo que possuía.
Os dois se perguntavam surpresos e decepcionados: “O que significamos para
ela”? Como resposta, obtinham dela a exclusividade de um vazio que nada cabia.
Cecília só permitia preenche-lo com o filho perdido. Impossibilitada de
preenchê-lo, utilizava a revolta para cavar cada vez mais fundo a sepultura de
seu ser. Desejando ser apenas mãe do ente perdido, deixou de ser uma imensidão
de coisas possíveis, dentre elas, mãe de sua filha e mulher de seu marido.
Aquele incidente não levou apenas o seu filho, mas também a sua capacidade de
enxergar, doar e se entregar. A vida perdeu a luz, a cor e o encanto. Afogou-se
nas trevas de uma angústia que dilacerava o seu peito e a sua capacidade de amar.
Querendo punir a vida, feria apenas a si mesma e a todos que a amavam.
Tornou-se ausente e solitária. Infeliz, construiu à partir daquela tragédia um
projeto também trágico – “reclamar e se vitimar”.
Qual a maior dor que um ser humano pode suportar?
Muitos diriam que a dor da separação imposta pela morte, ou, no mínimo, o temor
desta. Até mesmo a tão falada dor do parto traz em si o sabor da primeira
separação imposta ao nosso ser. A dor de uma doença que dilacera o nosso corpo,
jamais será mais forte do que o temor da morte que nos espreita. A separação
parece uma imposição vinda de fora, mas na verdade é sempre uma cicatriz antiga
cravada no nosso mais profundo ser. Lutamos por mantê-la atada e multiplicamos
a nossa guarda para que esta não seja atassalhada e transformada numa ferida
que traga à alma a mais recusada dor. O desejo de querer eterno aquilo que deve
ser efêmero ou o temor de separar o que empenhamos por manter junto faz com que
aprendamos, desde muito cedo, a dar os nossos nós, alguma vezes, nós cegos
difíceis de desatar.
Separação sempre foi um assunto tabu na nossa cultura.
Melhor nem falar para não ter que enfrentá-la ou senti-la. Se tiver que falar,
a técnica do “papagaio” ou da alienação é a mais segura para quem possui
dificuldade de reflexão e elaboração.
Esta técnica consiste em repetir prontas citações que concedam a
sensação de proteção. Ela é sempre o caminho escolhido por aqueles que carecem
de discernimento e maturidade.
Há inúmeros chavões utilizados por aqueles que fogem
da realidade. Vamos fazer uma reflexão sobre eles?
“Foi Deus quem quis assim” é um discurso
que justifica a nossa impotência. Colocamos desejos em Deus para que possamos
controlar os nossos desregrados e irrealizáveis desejos. Concedemos a Deus o
direito de desejar mais do que nós mesmos e a decidir o que temos ou não
direito de conquistar. Assim, se por comodismo eu deixar de conquistar algo, é
mais fácil dizer que Deus quis assim, pois não é nada bom ficar se resvalando
em nossas arestas. Se há pessoas morrendo de fome, a sociedade é eximida desta
responsabilidade se colocarmos em Deus este desejo sádico: torturar o ser
humano com a fome e a miséria. É, também, mais aceitável perder para um Deus
todo poderoso do que para um ser humano frágil, igual a nós mesmos ou por um
ditador odiado porém temido. Assim, Deus passa a ser o grande ditador responsável por todas as mortes, separações, catástrofes e mazelas humanas. Enfim, passa a ter a responsabilidade por tudo aquilo que julgamos não dar conta. E, se Deus quer assim, não preciso pensar no assunto ou fazer nada a respeito, pois nada é mais legítimo do que a vontade de Deus.
“Aquilo que Deus une o homem jamais separa” é um discurso que nos mantêm
atados a relacionamentos ou situações extremamente doentias. Preservamos uma
situação cômoda, que podendo ser rompida, jamais será nem mesmo mudada, pois
foge aos interesses de pessoas preocupadas com seus egoísticos ganhos e não com
o crescimento e bem estar de todas as partes envolvidas.
“Ruim com ele,
pior sem” nos protege da nossa temível condição de ser ou estar só,
refletindo a nossa covardia e masoquismo frente e vida. Preservamos o nosso
bode expiatório, senhor de nossas mágoas e de nossa eterna condição de vítima.
“Encontrei a
minha alma gêmea” nos traz a prazerosa sensação de estar pareado e
unificado com alguém, encobrindo a nossa terrível dificuldade para lidar com as
diferenças. Nos mantém atados ao prazer de estar apaixonado e não enxergar as
diferenças e os defeitos que tanto nos incomoda no outro. Querer aquilo que é
igual a nós mesmos demonstra o nível de nosso narcisismo. É como se quiséssemos
nos casar com nós mesmos.
E por aí vai; uma
série de citações que nos possa manter cindidos e colados um no outro. Nada de
laços afetivos. Nós afetivos são bem mais seguros. E, neste amontoado de nós,
vamos criando um “bololô” danado. Desfazer vários nós embolados dá muito
trabalho. A maioria não possui perseverança, paciência e coragem suficiente
para enfrentar este tipo de trabalho. Sendo assim, optam pelas mazelas. Por que
não optar pela saúde? Simplesmente, porque as nossas associações não permitem,
ou seja, nos ameaçam muito mais do que nos protegem. Criamos associações
perigosas relacionadas à separação. Uma delas é relacioná-la ao abandono. Esta
associação errônea afasta a mais importante vivência e desafio que o ser humano
necessita enfrentar – Estar só sem ser solitário, ser separado estando próximo
e unido, ser indivíduo e participar da coletividade. São poucos os que
conseguem viver esta paradoxal condição.
Muitos associam separação à perda. A perda é inevitável, mas toda perda nos presenteia com conquistas se formos sábios e soubermos direcionar o nosso olhar. A maioria passa uma vida inteira
elaborando jogos que possam afastá-lo da temível condição de se sentir
subtraído –“Não me tirem nada para que eu possa multiplicar meu encanto de
viver” – Estes jogos nem sempre são limpos. Vale roubar para não ter que perder.
Neste roubo, muitos saem furtados do maior bem que nos cabe por direito – a
autonomia, integridade e liberdade. E, muitas vezes, somos furtados pelas pessoas
que mais amamos; pelos nossos pais, nossos parceiros, etc. Quantas vezes nossa
liberdade é trancada numa gaiola para conter a força de suas asas pelo medo do
outro que diz nos amar. Estes aprisionamentos e furtos escondem o nosso temor
da morte e da separação – temor de ver os nossos sonhos morrerem caso o outro
voe mais alto do que as nossas asas são capazes de suportar.
Associar separação à morte nos tira a energia de viver
e batalhar pela nossa felicidade. Para não morrer, muitos matam. Matar nem
sempre equivale a tirar a vida do outro, mas, sobretudo, tirar os prazeres que
a vida oferece ao outro e a si próprio.
Parece até ser um crime em legítima defesa. Mas, na verdade, é um crime de
legítimo egoísmo, possessividade e covardia.
Há aqueles que associam separação a pecado. Aliciados
por algumas religiões, quantos casais optam por um infernal relacionamento, que
não fere apenas a eles próprios, mas também aos filhos e demais pessoas
envolvidas, para não ter que enfrentar o suposto pecado de se libertar e ao
outro? Aliás, liberdade sempre incomodou e ameaçou muito a maioria das
instituições religiosas. Sentindo-se culpados e numa tentativa desenfreada de
reparar a sua culpa, muitas pessoas preparam uma cola bem possante que possa
manter grudado aquilo que nasceu para viver separado. Grudados, perdem a
mobilidade ganhando uma paralisia que os fazem sentir mais mortos do que vivos.
E, mortos, acabam por temer ainda mais a morte ao invés de lutar pela vida.
A maioria das pessoas faz uma grande miscelânea de
associações. Misturam abandono, perda, morte e pecado, dando nó sobre nó. Há também
quem não queira se separar de ideias confusas, sentimentos doentios, padrões
rígidos e valores ultrapassados, embolando ainda mais o que deveria estar
desembaraçado.
Não há como negar o quanto as separações doem,
principalmente quando elas não são desejadas. No entanto, há momentos cruciais
da vida em que elas são necessárias para que possamos dar um novo
direcionamento ao nosso ser. Tudo na natureza muda, não há nada estático e
imutável. Assim, somos nós. Precisamos nos renovar. No processo de renovação, o
desapego é imprescindível. Nos separamos do ontem a cada dia que nasce. Nos
separamos do passado quando optamos pelo presente. Nos separamos daquilo que
fomos para ser algo mais. Quando imobilizamos o nosso ser, criamos verdadeiras
ameaças à nossa saúde física, emocional, mental e espiritual. Tornamos a
corrente fluida da vida um verdadeiro esgoto de águas paradas repleto de lixos
que deveriam ser descartados, mas que em função dos nossos apegos, preservamos
dentro de nós adoecendo-nos. Existem os mais diversos tipos de lixos. Lixos
físicos que circulam pelo nosso corpo em forma de toxinas, frutos de uma má
alimentação e estilo de vida. Lixos emocionais provenientes de diversos tipos
de sentimentos negativos, como ciúme e a
ira que destroem os nossos relacionamentos. Lixos mentais, fruto de ideias
preconcebidas e preconceitos que já dizimaram milhões de pessoas pelo mundo
afora. Enfim, temos verdadeiros lixões circulando pelo nosso ser, poluindo o nosso
viver, sem que nos demos conta deles. O apego a estes lixões que deveriam ser
descartados ou no mínimo reciclados nos impregnam com uma série de doenças.
Precisamos ter a coragem de nos separar de pessoas, ideias, crenças,
pensamentos, valores e sentimentos que nos fazem mal. Precisamos aceitar a
morte daquilo que nos mata de forma sorrateira. A morte daquilo que nos impede
crescer, faz renascer em nós um ser renovado e maduro. A morte é a manifestação
de uma nova vida, portanto necessária. Há, com certeza, vida após a morte. Quem
não acredita está cego e insensível a todas as manifestações que a vida nos
apresenta a cada segundo. O nascimento de um dia é sempre precedido da morte do
dia anterior. A morte da semente faz germinar a flor. A morte de um sentimento
dentro da gente sempre culmina no nascimento de outro. O que acontece, na
verdade, não é a morte, mas um eterno processo de transformação. Isto é vida
após a morte. Portanto, há sempre morte após a vida e vida após a morte. E,
neste processo de vida morte ou morte vida, estaremos sempre nos separando de
algo.
Quando uma separação acontece precisamos enfrentá-la,
jamais nega-la ou fugir dela. Ela sempre nos insere numa outra dimensão do
nosso ser, consolidando uma nova etapa em nossa vida que não precisará ser
melhor e nem mesmo pior que a anterior, apenas necessária ao nosso
desenvolvimento.
Muitos, entretanto, forçam separações desnecessárias
para fugir de uma maturidade que precisa ser alcançada numa determinada fase. Para este grupo de indivíduos, qualquer conflito, por menor que seja, sempre culmina numa separação. Hoje, a cultura do prazer a todo custo, nega a nossa relação com as
dificuldades. Os que cultuam o prazer a todo custo, diante da menor frustração,
separam-se de pessoas, trabalhos, lugares e vivências numa tentativa de buscar
o deleite de uma vida imatura, sem problemas. Usam a máscara do desapego para
esconder a sua face imatura. Por trás destas separações imaturas há o terrível
medo de ter que aceitar a morte de uma parte do nosso ser que precisa
amadurecer. É uma recusa em deixar a semente da maturidade brotar.
A vida sempre
dá um jeito de nos situar frente a
realidade universal que envolve todos os seres indiscriminadamente. Em
algum momento, coloca-nos diante de uma perda real, de um ente querido, por
exemplo, onde não há dinheiro, posição social, título, poder ou qualquer empenho
possível capaz de evitar. A história de Cecília demonstra uma das mais
terríveis perdas que um ser humano é capaz de suportar. Mesmo que este tipo de
perda ampute uma parte significativa do nosso ser, desmorone nossos mais
valiosos sonhos, produza um vazio difícil de preencher e transforme a vida numa
existência aparentemente sem sentido, é necessário seguir em frente e aceitar
esta experiência por mais trágica que ele seja. Cecília não aceitou, e, como
criança birrenta rejeitava tudo que a vida lhe pudesse oferecer em contestação
ao desejo de ter o filho de volta. Passou a rejeitar a filha e o marido que
tanto amava, como também todas as experiências agradáveis que curtia
anteriormente. Foi perdendo, assim, a capacidade de amar, e quando o amor se
esvai de dentro da gente, a dor aumenta e o discernimento diminui. Quanto maior a dor, menor a nossa
sensibilidade para apurar e perceber tudo a nossa volta. Neste ciclo vicioso, esta
sofrida mulher demorou alguns anos para compreender, através de uma
psicoterapia, o seu processo de vida. Desta compreensão, Cecília passou de
criança birrenta para a maturidade. Ainda se sente amputada, mas sabe lidar com
a parte que lhe falta sem precisar negar ou tirar do outro aquilo que pode com
fartura oferecer: amor. Conseguiu também parar de se vitimar ao compreender que
ao preservar o seu lugar de vítima teve, inevitavelmente, transformar muitas
pessoas queridas em réus e o seu mundo num tribunal insuportável. Desapegar-se
de uma vida que existia apenas no reino de suas fantasias foi o passo mais
importante para libertar-se e viver a realidade. Por mais dura que seja a
realidade, é necessário aceita-la para posteriormente transformá-la. Quando chega
a separação ou a morte daquilo que demos a nossa vida, precisamos desconstruir um mundo maravilhoso que criamos dentro de nós. Precisamos ter forças para construir outro mundo tão maravilhoso quanto o anterior. Isto não é fácil; é um verdadeiro desafio. Não é nada fácil demolir
estruturas e pilares que nortearam o nosso ser por tanto tempo. No entanto,
devemos nos alicerçar sempre na nossa capacidade de recomeçar. Alicerçados pela
capacidade de regeneração e transformação, a morte jamais será o fim; será
sempre um valioso recomeço. Precisamos,
nestas situações, aprender a lidar melhor com a nossa parte amputada sem ter
que amputar o vasto restante de nosso ser com um ódio dilacerante. Precisamos,
sobretudo, transcender a nossa impotência e a nossa aparente condição incapacitante para
redescobrir um ser ainda mais poderoso e forte dentro de nós.
Para as Cecílias que rondam o nosso mundo se achando
injustiçada pela vida, vale à pena prestar atenção na história abaixo onde a
morte e a vida travam um interessante diálogo. Aliás, fica também, duas perguntinhas básicas para mexer
um pouquinho com seus neurônios: 1)Quem nasceu primeiro: A vida ou a morte?
2)
Neste momento de sua existência, você está vivendo a vida ou a morte de uma
vida anterior?
A vida nova está sempre nos rondando, embora recusemos
sempre o seu convite. Nem sempre abrimos as portas para ela. Às vezes,
preferimos viver o velório de uma vida que não nos cabe mais. E, sem
enterra-la, ficamos ali, velando, velando eternamente... Melhor seria aceitar o
convite de uma nova vida e viver eternamente...
ALMA GÊMEA
Vagando pelo
universo, vida e morte se encontraram. Entreolhando-se com rabo de olho e
tomadas pela curiosidade resolveram, finalmente, se aproximar e se conhecer.
Ambas tiveram a mesma impressão; acharam a outra uma criatura estranha e ao
mesmo tempo familiar, diferente de tudo que conheciam até então. O mais
estranho é que uma atração irresistível brotou entre as duas, parecendo amor à
primeira vista. Meio sem jeito, querendo iniciar uma conversa, a vida
perguntou:
¾ Acho que te conheço.
¾ De onde? Perguntou a Morte.
¾ Não sei bem de onde...Completou a Vida.
¾ Éh! Você também não me é estranha. Qual
o seu nome?
¾ Meu nome é Morte. Respondeu a Vida.
¾ Muito prazer! O meu é Vida. Respondeu a
Morte.
¾ Onde você mora? Perguntou a Vida.
¾ Moro no universo e trabalho no planeta
Terra. Respondeu a Morte.
¾ Que coincidência! Eu também.
¾ Mas como é que pode a gente não ter
nunca se encontrado? Indagaram as duas mutuamente.
¾ Na verdade eu lhe disse que você não me
é estranha... Relembrou Vida à Morte.
¾ Só falta a gente trabalhar no mesmo
lugar e fazer as mesmas coisas.
¾ O que é que você faz lá na terra?
Perguntou a Morte.
¾ Sou professora. Respondeu Vida cheia de
orgulho.
¾ Não é possível, eu também sou!
Exaltou-se Morte indignada com tamanha coincidência – Qual a sua linha de
trabalho?
¾ Sigo o
currículo existencial. Respondeu Vida.
¾ Deveras? Eu também estou totalmente
envolvida com ele.
¾ Ele é maravilhoso, você não acha? Apesar de algumas
dificuldades... Aliás, já que fazemos as mesmas coisas, podemos trocar algumas
figurinhas. Dentro deste currículo, qual a matéria que você tem tido mais
dificuldade em ministrar? Só falta termos as mesmas dificuldades.
¾ O nível
básico de Humanidade não tem sido nada fácil ministrar. A maioria dos alunos
possui uma grande dificuldade para assimilar.
À medida que
a conversa fluía, Morte parecia cada vez mais surpresa com aquela coincidência.
Jamais poderia supor que existisse outro ser tão parecido consigo mesma e
fazendo as mesmas coisas. Parecia uma alma gêmea. Já ouvira falar em alma
gêmea, aquela outra parte de nós mesmos que vaga pelo mundo à procura de sua
outra metade, mas nunca dera atenção a isto. Para ela, este tipo de assunto não
passava de um mito. Sem compreender ainda aquele fenômeno de identidade mútua,
preferiu continuar a conversa para que um vínculo cada vez maior pudesse brotar
entre as duas.
¾ Sei que Humanidade é, no planeta Terra, o aprendizado
mais importante deste momento cósmico, mas não podia supor que existiam outros
seres ministrando a mesma prática que eu achava ser uma exclusividade minha.
Isto me deixa mais tranquila, pois sempre me preocupei muito com aquelas
criaturas que resistem a este aprendizado e passam adiante sem aparentemente
ter aprendido o suficiente para se tornarem verdadeiramente humanos.
Vida esboçou
um sorriso tranquilo como se tivesse também tirado um peso das costas e
continuou:
¾ Agora estou vendo que o grande diretor
desta escola não vai fornecer diploma de humanidade a ninguém que não o mereça
de fato. Parece que ele cerca de todos os lados.
¾ Acho que estou começando a
compreender... Já estamos trocando figurinhas à muito tempo, passamos a
eternidade nos ajudando mutuamente e não
percebemos isto. Divagou a Morte.
¾ Como assim?
¾ O aprendiz passa de você para mim, de
mim para você continuamente. Só o ambiente é que muda, a proposta continua
sendo a mesma. Ele só chega às vezes com uma cara diferente por ter a cada
etapa amadurecido um pouco mais. Explicou Morte.
¾ Bem que eu desconfiava! Tem aluno que
me parece muito familiar... Refletiu Vida.
¾ Com que tipo de aluno você tem mais
dificuldade? Perguntou Morte.
¾ Com aquele que se julga o diretor da
escola. Quer impor as próprias regras. São totalmente apegados ao poder que
julgam possuir. Orgulhosos e pedantes, não se despem de seus interesses
mesquinhos.
¾ Esse tipo de aluno exige da gente mais
rigor, são os que mais precisam de limites. E, por cumprirmos o nosso dever de
oferecermos a eles o que necessitam e não o que ilusoriamente desejam, reagem
quase sempre como crianças birrentas e revoltadas.
¾ Até parece que agente dá ouvidos às
birras. Ironizou Vida.
¾ Pior são aqueles que estão sempre se
vitimando, achando que são os únicos a serem premiados com as lições mais
difíceis. O mais complicado é que eles não enxergam tais lições como um prêmio
frente ao crescimento, mas como um castigo. Salientou a Morte.
¾ Ao contrário dos outros, estão
profundamente apegados à condição de vítima. São na verdade aqueles que só
apreciam as lições fáceis. Acabam se tornando tão medíocres que mesmo as mais
fáceis lições acabam se tornando penosas. Apesar da gente ter que concordar que
há algumas lições deveras complicadas... Ponderou Vida.
¾ Mas, este é o preço da formação que
eles se propuseram conquistar. Quem não desejar diploma de humano que opte
então por níveis mais prematuros de ser. Sabemos que não é pior e nem mesmo
melhor ser uma coisa ou outra. É simplesmente uma questão de escolha; uma
condição e uma opção daquele momento existencial que deve ser respeitada. Eu
sempre respeitei cada nível de aprendizado de meus alunos, nunca ofereci além
ou aquém daquilo que eles realmente necessitam para transcender.
¾ Transcender cada etapa do aprendizado
não é realmente uma tarefa fácil, mas é, de certa forma, fascinante, e tem
aluno que aprecia bastante. Aliás, que tipo de aluno te dá mais prazer ensinar?
Perguntou Vida.
¾ Adoro ensinar a todos, mas é fascinante
trabalhar com quem valoriza aquilo que você tem a oferecer sem desprezar as
valiosas doses de conhecimentos que oferecemos a cada segundo. Por mais
difíceis que sejam, são imprescindíveis na conquista da sabedoria. Respondeu
Morte denotando intenso prazer em seu ofício de ensinar.
¾ Parece que estes seres percebem, desde
cedo, que ter o professor como um aliado e não como um rival é um ótimo
instrumento que auxilia na construção desta sabedoria. Reforçou Vida.
¾ Ufa! Que batalha bonita a nossa!
Engraçado, à medida que você fala eu me vejo em você. Refletiu Morte olhando
profundamente nos olhos da Vida.
Instaurou-se um
profundo silêncio. Repentinamente, Vida fitou mais fixamente a Morte nos olhos
como se houvesse descoberto algo novo e com um sorriso meigo continuou:
¾ Sabe o que eu estou achando mais
interessante nesta história toda?
¾ Acho que sei, pois tudo que você vive
eu vivo e vice versa. Completou a Morte.
¾ Então, me fale o que é mais
interessante nesta história. Perguntou Vida curiosa.
¾ Acho descobrimos duas coisas
importantíssimas – a visão distorcida que o ser humano criou sobre a gente e a
nova visão que podemos ter sobre a nossa verdadeira essência e missão.
Respondeu Morte
¾ Eu descobri que não precisamos mais nos
preocupar tanto com a formação de nossos alunos, pois... Antes que Vida
continuasse, Morte deu prosseguimento à sua fala:
¾ Somos complementares, uma continuidade
de nós mesmos e não...
¾ Opostos como muitos humanos nos
enxergam e...
¾ Tudo que não der tempo para você fazer
eu farei por você e...
¾ Tudo que não der tempo para eu fazer,
você fará por mim.
—Estamos
unidas numa mesma missão.
—Mais juntas
do que poderíamos supor.
—Entretanto...
—Precisamos
agora nos separar...
—Para
continuarmos unidas para sempre.
—Pois não
somos simbiose.
—Somos Vida e
Morte.
—A cara e a
coroa da moeda que rege o universo.
Emocionadas
com tamanha identidade e compreensão, Morte e Vida deram um profundo abraço e
ficaram ali, juntinhas, parecendo ser na verdade uma coisa só. Dizem que à partir
daquele momento elas se fortaleceram ainda mais e ninguém as separou jamais. A
mediocridade humana até que tenta, no entanto, a consciência, em suas sábias
histórias, conta que Vida e Morte são almas gêmeas inseparáveis e que o grande
diretor da escola onde elas trabalham provocou, propositadamente, este encontro
para fortalecer ainda mais o elo entre as duas e enfraquecer a indisciplina dos
alunos mais rebeldes.
ESPAÇO DE
REFLEXÃO
Se deseja compreender por que motivo teme a morte ou
por que motivo tem se sentido sem vida, marque com um “x” as características
abaixo que se adequam a você.
( ) Tenho deixado de viver coisas importantes
em minha vida – aquelas que realmente valorizo.
( ) Não aproveito o que a vida tem de melhor
para me oferecer. Foco, por demais, nas piores coisas que me vem acontecendo.
( ) Vivo num ambiente triste.
( ) Nunca questionei os conceitos negativos
sobre a morte que foram a mim repassados.
( ) Não acredito numa vida após a morte.
( ) Acredito num Deus punitivo.
( ) Não tenho consciência da minha verdadeira
missão nesta vida.
( ) Tenho consciência da minha missão, mas não
estou exercendo-a.
( ) Não acredito na evolução dos seres humanos.
( )Acredito que estamos na vida apenas para
pagar os nossos karmas negativos e
sofrer.
( )Evito sempre qualquer assunto que diga
respeito à morte.
( )Tenho dificuldade para lidar com mudanças.
( )Sou possessivo e apegado a pessoas e coisas.
(
)Não enfrento as separações necessárias. Retardo-as, nego ou fujo a todo custo
das mesmas.
( )Não exerço a minha liberdade. Coloco nas
mãos do outro a minha própria vida.
( )Exijo que a minha vida siga sempre do jeito
que eu planejei ou sonhei.
(
)Não sei ou não admito mudar o planejamento de meus sonhos, caso isto seja
necessário.
( ) Meu sonho não é simplesmente um sonho; é uma exigência.
( )Dificilmente aceito uma realidade diferente
daquela que imaginei.
( )Evito me entregar para não ter depois que
separar.
( ) Me sinto sempre a vítima, jamais a
responsável pelas dificuldades de minha vida.
( ) Nunca percebi que vida e morte são na
verdade uma coisa só, ou seja, duas faces de uma mesma moeda.
( ) Não consigo perceber que nasço e morro
todos os dias.
( ) O meu corpo e as coisas que adquiri nesta
vida são mais importantes que minha alma.
( ) Não
consigo perceber ou sentir o meu espírito.
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A Sobremesa do capítulo Gratidão do livro Cardápio da Alma
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A história "A Estrelinha que descobriu o mistério da Vida e da Morte" do Livro Histórias que Curam
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