segunda-feira, 2 de abril de 2012

RAIVA


INCENDIEI-ME
CUSPI FOGO
QUEIMANDO O QUE HÁ
DE MAIS NOBRE EM SEU SER
QUE INGÊNUO DESPERTOU O DRAGÃO
FAMINTO DO PODER
QUE NÃO CONCEDESTE A MIM
VIRANDO AO AVESSO
O NOSSO AMOR


ARDIDA
SEM OS ACEROS
DO BOM SENSO
MEU FOGO
ATIÇOU O SEU
ATIÇADO
NOSSO MUNDO VIROU CHAMA
NOSSA CHAMA VIROU CINZA
QUE O VENTO LEVOU

 NO DELEITE DOENTIO
DE NOSSA PIROMANIA CONJUGAL
ATAMOS FOGO EM TUDO
APAGANDO APENAS
A NOSSA HISTÓRIA
QUE CONSTRUÍDA SEM ALICERCES
DESABOU
RESTANDO OS ESCOMBROS
DE NOSSA DESARMONIA




O NÓ DA RAIVA



Ulisses, homem bravo, forte e lutador, nunca levou desaforo para casa. Apesar de esconder sua fragilidade por detrás de uma sinceridade mal educada e constrangedora era um homem sensível e portador de muita sabedoria.  Sua pose de machão vencia seu bom senso, mesclando-se com uma notável rigidez em seus padrões de vida pré-estabelecidos como verdade única. Apresentava um modelo de vida determinante, que deveria ser seguido por todos que julgava ser objeto de seu comando. Quem não o seguisse estava fora de seu ciclo de relacionamento.   Não sabia dialogar diante dos conflitos. Aprendera com o pai, avô e, provavelmente, com toda sua árvore genealógica a brigar para fazer valer a sua vontade. Não sabia ouvir, aliás, ficou surdo com o passar dos anos; mas sabia mandar como ninguém. Sua ordem deveria ser obedecida de imediato. Era uma autoridade autoritária. Querendo ser respeitado acabava por provocar medo em todos. Não aceitava sugestões, pois toda sugestão era encarada como uma ordem; e Ulisses não era homem de seguir ordens embora soubesse ordenar como ninguém.
Ulisses tinha uma família bem estruturada. Era casado com uma mulher submissa, paciente, devotada à família e servil. Só uma mulher assim para aturar as arestas de Ulisses; uma mulher dependente e insegura que se permitia ser objeto de seu desejo. Todas as vezes que ela tentava se posicionar como sujeito, Ulisses ficava muito bravo. Acabava abrindo mão de seus mais profundos desejos por temer romper a estrutura familiar com uma posição firme perante o marido. Com o passar dos anos deixou de ter alguns desejos que pudessem ameaçar o marido. “Melhor se satisfazer com as coisas que posso ter do que viver frustrada” ─ pensava. E, assim passou a se permitir ter só as coisas que o marido aprovava. Ulissses se vangloriava com a solidez de seu casamento. Nunca parava para pensar no custo daquela solidez para a esposa, aliás, não perdia a oportunidade de depreciá-la para se manter na posição de superioridade. Aquela solidez matrimonial era alicerçada pela resignação da esposa. O maior poder para destruir tudo, estava, na verdade, em suas mãos. Bastava apertar o gatilho do auto-respeito.
Ulisses estava sempre muito nervoso. Tinha uma impulsividade que o tornava agressivo, apesar de nunca ter agredido fisicamente a esposa e os filhos; não por controle próprio, mas por excesso de controle dos filhos e da esposa. Ulisses tinha uma família que mantinha o ambiente familiar bem controlado. Ninguém ousava desafia-lo. Calados, todos se limitavam a ouvir seus berros em seus momentos de descontrole emocional. Passado seus momentos de tormento, ele se tornava um homem agradável, doce, carinhoso e dedicado a manter o bem estar de todos. Ulisses era uma surpresa constante; ora brisa, ora tempestade.  
Era um homem trabalhador, um verdadeiro guerreiro na arte da conquista profissional. Quem não colecionasse conquistas profissionais enquadradas dentro do contexto aceito pelo mesmo, era encarado como uma pessoa fraca. Sempre foi chefe, jamais se permitiu ser mandado. Vencer era o seu lema. Quando corria riscos de perder uma batalha ficava extremamente irritado impossibilitando qualquer tipo de contato. Eram nestes momentos que a tempestade caía. O ambiente, ao seu redor, esperava o tempo necessário para a tempestade passar e o seu humor melhorar. Só assim, aventuravam a dirigir-lhe a palavra. Com tanta tolerância à intolerância de Ulisses, este homem tinha todos os motivos para se sentir um homem realizado. Ainda assim, colecionava em suas prateleiras emocionais, muita impaciência, intolerância,  ciúme, enfim, uma gama de sentimentos negativos que provocavam muita raiva e consequentemente muitas dores de cabeça no mesmo.
A vida, entretanto, nunca deixa de oferecer para todos nós aquilo que negamos  receber. Os limites que deixaram de ser colocados pela família, amigos e até mesmos empregados, foram sabiamente colocados pela dona Vida. Na 3ª idade, Ulisses foi presenteado com um câncer não tão bravo como ele, mas firme o suficiente para colocar muito medo no mesmo. Foi neste momento que saiu do fundo daquela armadura uma criança frágil e medrosa. O câncer não matou o corpo, mas matou aquela prepotência e arrogância. Pela primeira vez, Ulisses se submeteu, seguiu ordens médicas, pediu cuidados especiais ao invés de se impor. Percebeu que há certas coisas na vida que não nos teme e não se cala diante dos nossos pitis. Teve muito mais medo do que raiva de sua doença. Talvez temesse atiça-la com seu descontrole emocional. Foi aprendendo devagarinho a ser mais doce. Os limites da idade, talvez tenha também lhe ensinado isto. Ulisses amadureceu muito. Passou a ouvir mais, apesar de sua surdez, e a ser mais maleável e flexível. Apesar dos progressos, tinha, vez e outra, seus acessos de raiva. Mas, obteve uma grande melhora. Conseguiu se tornar uma pessoa mais sábia do que colérica. O câncer e os limites impostos pela 3ª idade foram a sua terapia mais valiosa.
Ulisses não foi meu cliente, pois um homem assim jamais procura terapia, julga não necessitar destas “besteiras”. Deparei-me com ele nas encruzilhadas da vida e constantemente encontro com Ulisses – maridos, irmãos, avós, chefes, conhecidos e pais de clientes.
É uma pena que Ulisses tenha se curvado apenas para a doença e tardiamente para quem lhe desejou bem, de fato. Mas, “antes tarde do que nunca”. Quem não se curva por amor, se curva por temor.
 

É mais cômodo encararmos a raiva como algo natural do que como uma reação aprendida ao longo de nossa vida e de nossa evolução enquanto ser humano. Se aprendemos a nos posicionar diante de algumas situações da vida utilizando o sentimento de raiva, podemos também, aprender a nos posicionar utilizando outros sentimentos que poderiam, inclusive, neutraliza-la. Quanto mais paciência, tolerância e empatia tivermos, menor será a nossa predisposição para sentir raiva e, consequentemente, somatizar uma série de doenças provocadas pela mesma. O difícil é exercitar tais sentimentos, pois eles nascem à partir de uma base sólida que falta a uma infinidade de pessoas. Por trás de um acesso de raiva existe uma estrutura frágil e uma base comprometida. O colérico é quase sempre uma pessoa que foi repetidamente ferido no passado e usa a sua fera interna para se proteger no presente. Tem sempre um sinal de alerta que dispara diante dos mínimos estímulos com o propósito de protege-lo de um novo ataque parecido com os já sofridos. Para tratar a raiva é necessário tratar primeiro uma história repleta de cenas de desrespeito  e desamor.
A raiva traz grandes malefícios para nossa saúde. É um sentimento nocivo e responsável por  uma grande parte das doenças que nos acomete, dentre elas, o estresse, a hipertensão, gastrites, úlceras, depressões, dores de cabeça, distúrbios hepáticos e muitas outras.
Há também os coléricos que não sofreram episódios de desrespeitos, mas não desenvolveram a capacidade de lidar com as suas frustrações. Egocêntricos, giram em torno de suas próprias necessidades e se sentem feridos quando estas não podem ser imediatamente atendidas.
Independente de quais forem os motivos para detonar esta emoção tóxica dentro da gente, somos os únicos responsáveis por ela no que tange a possibilidade de administra-la com êxito. Quantas vezes nos eximimos da nossa responsabilidade e culpamos os outros por estarmos sentindo raiva. Como Ulisses, não assumimos a nossa  dificuldade para suportar as nossas frustrações ou para lidar de forma mais madura com a nossa dor. Criamos um mundo imaginário onde todos os nossos desejos deverão ser atendidos prontamente e onde exista um outro construído a nossa imagem e semelhança, preferencialmente, de acordo com a falsa imagem perfeita que temos de nós mesmos.
Por detrás de uma pessoa colérica existe sempre uma pessoa frágil que se sente ameaçada. A raiva é um escudo usado para se proteger ou para lutar por aquilo que teme perder. No entanto, este escudo acaba ferindo muito mais a pessoa que o usa. As toxinas da raiva circulam apenas no corpo de quem a experimenta e só ali é capaz de fazer seus estragos. É ruim estar próximo de uma pessoa colérica, mas é muito mais difícil ser esta pessoa. Podemos nos afastar do outro quando este tem uma crise de raiva, mas não podemos nos afastar de nós mesmos. Ulisses tinha medo de perder sua autoridade; para preserva-la usava a raiva como escudo  transformando sua autoridade num autoritarismo que incomodava a todos.
Muitas pessoas usam a raiva para marcar território ou impor limites, quando poderiam usar recursos mais aprimorados. Assim, a raiva é um recurso adotado por pessoas que ao invés de usar a sabedoria para resolver seus conflitos, lançam mão da ignorância e da imaturidade. Mostra com tais atitudes os seus próprios limites e deficiências. Como impor limites ao outro quando não se consegue impor a si mesmo? A raiva deve, portanto, ser encarada como um grito de socorro: “Preciso amadurecer!”O colérico crônico acaba perdendo o respeito de todos. Quem permanece ao seu lado é muito mais por medo, obrigação ou interesse do que por simpatia e satisfação.
A agressividade é uma energia necessária, mas a raiva é uma reação desnecessária. A agressividade nos impulsiona;  a raiva nos aprisiona e causa uma série de estagnações. Desfazer os condicionamentos desta reação aprendida ao longo de anos não é uma tarefa fácil. É um grande desafio, principalmente para quem tem um temperamento mais forte e se condicionou a reagir munido com a cólera. No entanto, podemos usar o nosso temperamento forte para “lutar” pelos nossos objetivos e não para brigar por eles. Entre lutar e brigar existe uma lacuna – a lacuna do respeito. Tomado pela raiva, dificilmente uma pessoa consegue respeitar a outra ou auto se respeitar. Há sempre duas direções para ser lançada a energia tóxica: para o outro ou para si mesmo.
Há quem dirija a raiva totalmente para si mesmo. Por medo de perder o amor do outro acaba por perder o amor por si mesmo. Vinga em si mesmo o desrespeito que recebe. Repleto de ressentimentos e da necessidade de vingar, transforma-se no vilão que deverá torturar uma vítima que acaba sendo ele próprio.
Raiva não se controla; supera-se. Podemos supera-la através da prática constante dos bons sentimentos. Os viciados em raiva possuem uma certa resistência em fazer isto. Preferem o sabor picante da adrenalina do que o doce sabor  das endorfinas. Vencer a raiva pressupõe vencer a si mesmo - aquela pessoa imatura que mora dentro da gente e que adora dar as ordens ou a vítima de uma infinidade de desventuras.   É mais fácil vencer o outro do que vencer a si mesmo. Agir com raiva cria em nós a ilusão de ter vencido este outro que em algum momento nos fez algum mal. Vencendo-o, deixamos o nosso lado imaturo ainda mais imaturo e aparentemente feliz, rindo da nossa ignorância, pois deixamos a nossa ilusão vencer quando deveríamos abatê-la. A satisfação de causar infelidade a quem nos feriu não cura e jamais vai curar a nossa dor. Uma felicidade construída à custa da infelicidade do outro traz apenas infelicidade para si mesmo. Não há como vibrarmos numa frequencia energética diferente daquela que a gente projeta para o mundo. É uma lei física.
Existe raiva de todos os tamanhos, de longa e curta duração. Independente de como seja, todas elas são raiva. Todas oferecem um custo para saúde e para o seu bem estar.
No dia que suportarmos as diferenças, dermos conta de amadurecer, sairmos da posição infantil e egocêntrica que exige do outro a completa satisfação de nossas necessidades e aprendermos a perdoar estaremos dando o primeiro passo rumo a prevenção da raiva. Quando deixarmos também, de posicionarmos como um Deus autoritário que exige do outro total devoção, estaremos prontos para exercitarmos  a nossa verdadeira divindade. Só os seres divinos já conseguiram supera-la totalmente. Nós, humanos, ainda temos, vez ou outra , as nossas crises. Para superarmos a raiva é necessário termos consciência que a evolução é uma possibilidade e não uma utopia. Mais do que isso, é necessário fazer fortes investimentos emocionais neste sentido.
A história de Netuno poderá lhe oferecer algumas estratégias interessantes para que você possa lidar com a sua raiva de maneira mais saudável, extirpando-a da sua vida antes que ela estirpe você.



A IRA DE NETUNO



Netuno, Deus dos mares, sempre teve como um dos seus passatempos favoritos brincar com as marés. Confeccionar ondas e vê-las arrebentar nas areias das praias sempre foi para ele uma distração extremamente relaxante. Quando Netuno se aborrecia, o mundo inteiro podia assistir sua ira concatenando com a fúria das marés. Assim, o humor do mesmo podia ser medido pela força destas.
Netuno sempre gostou de manter a sua casa limpa e nos últimos tempos notou que uma criatura chamada homem, a qual deu imensa liberdade para usufruir de sua hospitalidade, começou a abusar de sua boa vontade. Assim, resolveu fazer uma inspeção em todo seu território com claras intenções de colocar limites aos homens de má vontade. Chegou a engolir algumas embarcações que agrediam criaturas marinhas as quais nutria imenso amor, e assustar outras que ousavam desafia-lo acreditando possuir mais força do que ele. Mas, o episódio que retrata a sua ira mais assustadora é o que vou lhes contar agora. Estando já insatisfeito com a raça humana que, repentinamente, começou a se julgar um Deus mais poderoso do que todos os deuses do universo, Netuno achou por bem ser mais severo. A inspeção de seu território começou bem longe, onde poucos homens ousavam chegar. Nestes locais, intocados pelo homem, tudo parecia estar em ordem. Águas límpidas e cristalinas, seres marinhos vivendo em profunda harmonia e equilíbrio dava a Netuno uma tranqüilidade que se refletia nitidamente numa maré  serena e relaxante.
À medida que Netuno se aproximava dos locais onde o homem ousou invadir, os desequilíbrios começavam a aparecer. Por mais sereno que tentasse permanecer, uma onda de insatisfação começou crescer dentro daquele poderoso Deus. A serenidade começou a ceder lugar a certa turbulência. Seu nervosismo aumentou ainda mais ao assistir a pesca indiscriminada de baleias que morriam para alimentar a ambição do homem. Tentando protegê-las, agitou as marés com claras intenções de assustar os predadores das embarcações pesqueiras, fazendo-os retornar à terra firme, lugar onde se sentiam mais seguros.
—Vocês não possuem direito de agredir e matar seres de um mundo que não lhes pertence. Raça de ambiciosos! — Urrou Netuno arrastando todos os barcos para a costa, sem, no entanto, destruí-los.
Continuando sua vistoria pelos mares, sua cólera acentuou-se ao sentir o seu corpo sendo contaminado pelo derramamento de óleo de um grande navio petrolífero.
—Vocês estão vomitando em mim, raça de nojentos!
Cada vez mais comprometido com seu lar e com a sua vida, Netuno continuava a sua caminhada tomado por uma profunda obstinação. A cada passo, uma surpresa desagradável e, consequentemente, uma nova insatisfação que  fazia crescer a onda de irritação dentro dele. Deparou-se com lixos boiando sobre águas que antes cristalinas abrigavam as mais lindas criaturas. Restos de garrafas, plásticos, enfim,  uma série de materiais sintéticos eram os únicos moradores de algumas regiões que Netuno havia, no passado, programado para ser um verdadeiro paraíso. Perplexo, a sua onda de irritação foi lentamente se transformando numa perigosa onda de raiva capaz de devassar tudo que desejasse. Aquele monte de lixo transformou seu paraíso num reino de trevas habitado pela solidão, pela sujeira e pela escuridão.
—Seus porcalhões! Vocês querem acabar comigo? Vou mostrar para vocês quem é que acaba com quem!  Esbravejou Netuno dirigindo-se em direção à costa com claras intenções de punir os ingratos seres porcalhões a quem sempre doara tanta abundância.
Com uma fúria cada vez mais pronunciada e com clara intenção de destruir o destruidor, a pequena onda de insatisfação que antes regia o humor de Netuno se transformou  em uma temerosa onda de fúria que se movimentava em direção à terra firme. Temendo os estragos que pudesse fazer, Íris apareceu com claras intenções de equilibrar o humor de Netuno, descendo suavemente de um lindo arco-íris que ligava o céu ao mar.
—Por que estás tão encolerizado? Perguntou a Deusa do Arco-íris.
—Preciso destruir antes de ser destruído. Respondeu o Deus dos mares.
—Quem deseja destruí-lo?
—O homem. Esta criatura a quem doei tanta abundância, transformou-se num megalomaníaco irresponsável, que se julga mais poderoso do que todos os deuses do universo. Darei a eles uma lição para jamais ser esquecida. Isto se restar algum para contar a história...
—Mas, você já fez isto outras vezes, não se lembra?
—Lembro-me perfeitamente! Fiz por motivos menores do que os que estou presenciando agora. Devia ter exterminado a todos, daí eu não teria o trabalho de fazer o serviço mais uma vez.
—Antes de agir, você deveria esfriar um pouco a cabeça. Esta sua onda de ódio está crescendo muito e indo rápido demais em direção aos homens. Não dá para desacelerar um pouquinho este seu ritmo para que possamos conversar melhor? Tenho coisas importantes para lhe contar. Do jeito que você está, não conseguirá me ouvir e poderá se arrepender depois. Ponderou Íris.
—Eu me arrependo de ter sido bondoso com eles. Ofereci tudo que tenho para que usufruíssem, no entanto, ao invés de usufruir com equilíbrio, eles estão destruindo, rapidamente, tudo que me diz respeito.  Se eu for mais devagar, com certeza, eles serão mais rápidos do que eu.
—Calma! Os satélites dos homens já constataram a sua fúria e eles estão desesperados esperando por você. Totalmente impotentes para fazer qualquer coisa que possa protegê-los, aguardam apenas a piedade dos deuses. É por isso que vim interceder por eles.
—Você quer defender esta raça de destruidores? Passam uma vida inteira fazendo o mal e no final pedem redenção. É só o que faltava! Ironizou Netuno.
—No meio do joio que você enxerga há muito trigo também. Com esta fúria toda, você não terá como separar um e outro. Punirá inocentes que lutam também para preservar a sua beleza e a sua saúde. Alertou Íris.
—Eu não preciso que ninguém lute por mim! Eles é quem precisam que alguém lute por eles.
—Concordo, plenamente, com você. E, tem mais... Eles estão ficando cada vez mais sozinhos. Os Deuses das matas, dos ares, dos rios, enfim, uma infinidade de Deuses já está assim como você, bem insatisfeitos com a atitude deles. Preciso, entretanto, interceder por aqueles que estão ficando cada vez mais sem defesas e aliados. Há inocentes nesta história. Por favor, me escute! Você está escutando apenas a sua ira. Implorou Íris.
—A minha ira me permite colocar limites a eles. Caso contrário, posso ficar bonzinho novamente e eles abusarem da minha boa vontade.Parece também que eles só aprenderão alguma coisa através do medo e do desespero. Infelizmente, consciência é uma coisa que eles não possuem.
—Tenha, pelo menos, um pouco de empatia. Há muita gente boa nesta história. Você acha justo punir a todos da mesma maneira? Questionou Íris.
—Eu não sei como separar o joio do trigo, como você mesma disse. Justificou-se Netuno.
—Pois deveria aprender! Você só tem a ganhar. Assim como você, há muitos humanos que não sabem ainda fazer as coisas de uma outra forma. Por acaso, você gostaria de ser punido por não saber separar o joio do trigo? Desafiou Íris.
Netuno parou para refletir um pouco. Neste momento de reflexão a força de sua fúria diminuiu um pouco, mas o desejo de punir continuava intacto dentro de seu ser. Sentindo que o amigo serenou  o seu humor, Íris continuou:
—Não seria mais interessante fortalecer o trigo ao invés de destruir o joio? O trigo poderá ser seu grande aliado. Aliás, é tudo que desejam.
—Eu não sei se poderei aceitar a ignorância deste povo. Eles deveriam ser mais conscientes.
—Aceite-os como são e não da maneira como você gostaria que eles fossem. Faça isto administrando a sua ansiedade. Saiba esperar o desabrochar de uma nova consciência em todos eles. Aja de forma inteligente para despertar a mudança neles e, não de forma impulsiva e precipitada.
—Pois, saiba que sempre esperei uma mudança neles.
—Talvez, por isso, esteja tão frustrado. Livre-se das expectativas e verá a sua frustração diminuir. Quanto mais frustrados ficamos, mais raiva sentimos. Você já conseguiu perceber que está sendo vítima de sua raiva?
—Que absurdo! Estou sendo vítima deles e darei um jeito de destruí-los bem rápido. Para mim, esse povo é um problema sem solução, por isso, o melhor é exterminar a todos assim como aconteceu com os dinossauros. A terra ficaria bem mais protegida, você não acha? Ironizou Netuno.
—Não use a frieza como uma anestesia para  a raiva que você sente agora. Toda revolta ativa no outro o desejo de ferir também. Daí, não acredito que estes meios que você está buscando vá resolver o problema dos seres humanos.
—E, eu lá tô querendo resolver problema de ser humano? Quero resolver o meu problema! Trovejou Netuno.
—Não aja egoisticamente como o seu agressor. Você reclama dele e se comporta exatamente como ele? Não estou te entendendo... Compreendo que você tenha sido vítima de repetidas ocorrências de desrespeito, mas, a realidade é que o ser humano não aprendeu ainda o significado da palavra amor e respeito. Daí, não adianta idealizarmos uma realidade que não existe, impondo a eles uma forma de ser que eles ainda não são capazes de vivenciar. Quem melhor do que os Deuses para servirem de exemplo e ajudá-los a curarem esta doença que atormenta a humanidade?
—Eu não posso deixar que a doença deles adoeça o território que cabe a mim proteger. Protestou Netuno.
—Nisto você tem razão! No entanto, existe uma parte saudável do ser humano que vale à pena nós nos relacionarmos com ela. Esta parte precisa ser alimentada. Ela é a salvação do nosso planeta.
—E o que eu faço com esta ira que me atormenta? Você quer que eu faça de conta que ela não existe?
—Absolutamente! Reconheça esta fúria que está dentro de você e transforme-a. Desafiou Íris.
—Transformá-la? Em que ?
—Num instrumento para exercitar a sua tolerância, a sua paciência e a sua capacidade de perdoar.
—Perdoar? Você quer que eu esqueça tudo que eles me fizeram?
—Perdoar não é esquecer, mas abdicar de sua raiva para que você possa seguir em frente com mais serenidade e resolver o problema com menos emoção e mais razão. A sua necessidade de vingar só lhe trará mais raiva e tormento. Esclareceu Íris.
—Não sei se dá para perdoar este estrago todo não...Vou estar bancando o idiota!
—Pelo contrário, você será muito mais forte se admitir  que será um erro punir inocentes, já que além dos humanos, serão extintos uma série de outras espécies que não tem nada haver com esta história. Além do mais, olhe o desespero deles agora! Através de orações compulsivas, estão se desculpando com todos os Deuses.  Perceberam a sua fúria e estão desesperados. Aceite a desculpa deles! Você consegue ouvi-los?
—Sim. Me dá um certo prazer assistir o remorso deles. Vou tentar agir com mais prudência. Só vou assustar um pouquinho! Tenho que admitir que esta conversa com você  abrandou minha fúria. Espertinha!.. Acho que seu intento foi alcançado. Volte para o seu lar, prometo que tentarei lembrar-me desta conversa toda vez que me deparar com os estragos causados por esta raça imun...Antes que terminasse, Íris lançou sobre Netuno um olhar reprovador que o fez auto corrigir-se.
—Melhor dizendo...Raça imatura e ignorante!
Íris pareceu ter conseguido convencer Netuno a não destruir totalmente a raça humana. De vez em quando, a gente fica sabendo de alguns rompantes de raiva do mesmo que geram muitos estragos e mortes. Porém, não dá para negar que estes estragos são bem menores do que os que causamos a ele. Assim, eu, particularmente, entendo os tsunamis e maremotos. Nem todos os Deuses são tão tolerantes e perfeitos quanto gostaríamos.
Quando fico olhando para o mar, observo atentamente o humor de Netuno. Admito que não possuo a ousadia dos surfistas ao deslizar em ondas fortes que estouram esbravejando alguma insatisfação do mesmo em dias de maré alta. Não ouso desafia-lo nestes dias, limito-me a observar a sua fúria, certa de que ela poderia ser bem maior. Mas, há também os dias em que me deleito em suas ondas leves que se derramam sobre a praia dando gostosas e borbulhantes risadas como se estivesse rindo de nossa fragilidade e ignorância. Embalada por ondas suaves sinto o quanto o mar ainda nos ama e nos acolhe e lá no fundo fico a pensar:
—Enquanto ele estiver rindo... Bom sinal!



ESPAÇO DE REFLEXÃO



Quando você fica bravo como Netuno, provavelmente, algumas das razões abaixo desencadearam ou reforçaram a sua raiva. Marque um “X” ao lado das razões que serviram de motivo para provocá-lo em situações que atiçaram a sua cólera.  Saiba que as estratégias para combater a sua ira é fazer, da próxima vez, justamente o contrário de tudo que está escrito abaixo..
 

(  ) Não consegui ser frustrado

(  ) Não fui capaz de aceitar o outro tal como ele é

(  ) Não estou encarando a minha raiva como um mal hábito,  mas sim como uma reação natural

(  ) Me senti ameaçado

(  ) Continuei repisando na minha mente a situação que me provocou raiva 

(  ) Me auto torturei mantendo este sentimento dentro de mim

(  ) Me posicionei como vítima

( ) Não estou consciente dos motivos que me provocam raiva e nem mesmo das estratégias para combate-la

( )Amaldiçoei as minhas frustrações impedindo-me de encara-las como um desafio ao meu desenvolvimento

(  ) Não fui capaz de me colocar no lugar do outro

(  ) Não fui capaz de ter senso de humor

(  ) Não me amei o suficiente

(  ) Não tenho amor próprio

(  ) Não fiz a minha própria escolha

(  ) Projetei no outro a responsabilidade de minhas frustrações internas

(  ) Usei a raiva para manipular o outro

(  ) Tive muita expectativa e me frustrei

(  ) Usei a raiva para impor limites

(  ) Não dei tempo para minha raiva se dissipar, tentei resolver o assunto com a cabeça quente

(  ) Não procurei explicar para mim o motivo que levou o outro a agir assim

(  ) Não usei o meu tempo de maneira produtiva

(  ) Guardei rancor

(  )Já venho guardando rancor a muito tempo

(  ) Fingi que não estava com raiva

(  ) Não reconheci que estava com raiva e explodi

(  ) Não expressei a minha raiva de forma saudável

(  ) Não treinei a minha paciência

(  ) Não treinei a minha tolerância

(  ) Não aceitei que estava errado

(  ) Não me desculpei

(  ) Não perdoei

(  ) Não aceitei a desculpa do outro

(  ) Não me permiti ser criticado

(  ) Me esqueci ou não tenho reconhecido a lei da ação e reação

( ) Não reconheci o sofrimento que o outro está provocando para ele mesmo quando deseja me torturar

(  ) Não fui capaz de ver o quanto o meu comportamento afetava negativamente o outro

(  ) Não fui capaz de ver a situação numa outra perspectiva

(  ) Fui ou estou sendo muito exigente e perfeccionista

(  ) Não aceito que o outro erre

(  ) O erro ou defeito do outro me lembrou os meus próprios erros e defeitos

(  ) Estive ou estou abrigando a raiva no meu coração e na minha mente

(  ) Não procurei uma solução para o problema

(  ) Não me relacionei com a realidade, mas sim com a idealização da mesma

(  ) Acusei o outro ao invés de expressar a minha dificuldade para lidar com o problema

(  ) Relacionei apenas com a parte doente do outro e deixei de lado o seu lado saudável

(  ) Quis que o outro fosse parecido comigo ou com aquilo que julgo ideal

(  ) Adotei e venho adotando juras iradas para não ser mais ferido

(  ) Me iludi

(  ) Fui frio

(  ) Já vinha me permitindo ser desrespeitado já a algum tempo

(  ) Não consegui ver o outro como um instrumento para o meu desenvolvimento 

(  ) Usei a minha raiva como uma motivação para agir

(  ) Insisti em provar que estava certo

(  ) Usei a raiva para interromper a situação

(  ) Usei a raiva para desincumbir-me daquela tarefa

(  ) Fiquei com raiva para chamar atenção

( ) Não tenho tido o costume de mostrar a mim o meu descuido quando tenho um rompante de raiva

( ) Não sou capaz de perceber as doenças que a raiva me causa ou que poderá futuramente  me causar

(  ) Não tenho sido capaz de perceber o quanto complico uma situação agindo com raiva



BRINCADEIRA TERAPÊUTICA



   A raiva é uma energia extremamente destrutiva. Ela nos intoxica e nos adoece. No entanto, nem sempre somos, suficientemente, capazes de perceber a “sujeira” que a avalanche de adrenalina causa em nosso corpo e em todos os níveis de nosso ser. Para que voce possa perceber visualmente esta situação, vamos brincar! Faremos uma brincadeira que servirá de metáfora para alerta-lo:

Compre um boneco ou uma boneca e um vidro de tinta da cor vermelha passível de ser removida. Todas as vezes que voce tiver uma crise de raiva, dê uma pincelada de tinta em seu boneco. Se a raiva for muito grande, dê uma grande pincelada. Se a raiva for mais amena, dê uma pincelada menor. Deixe o seu boneco à vista. Veja como ele fica à medida que vai sendo intoxicado pela raiva. Vá dando tantas pinceladas quando forem as suas crises de raiva. Quando a raiva da situação que a provocou passar, remova a pincelada correspondente. Se a raiva não passar, a mancha deverá ficar.
Mais importante que sujar o seu boneco é comprometer-se a limpa-lo e mantê-lo protegido destas pinceladas toxicas. Fique atento, pois as pinceladas não removidas transformam-se em ressentimento. Voce pode também, pintar sobre toda raiva que persiste por um período superior a três meses uma outra cor. Assim, verá quanto de ressentimento existe dentro de voce.
Cuide bem de seu boneco, pois voce estará cuidando de si mesmo. Voce merece não ser visto por si mesmo como um verdadeiro lixo. Para isto, limpe-se!






















3 comentários:

  1. Excelente metáfora de Netuno e as marés.Acho que como seres humanos somos de natureza oscilante e ondulamos entre a coerencia e a incoerência, o bem e o mal, o certo e o errado e tantas outras dicotomias...É a consciência que nos dará ao longo da vida a capacidade de fazermos as nossas escolhas de forma que os sentimentos negativos não dominem a nossa mente, corpo e alma.Costume dizer que não há veneno mais perigoso do que a raiva, pois ela intoxica a nossa história e como consequencia ela alimenta outros sentimentos negativos, tais como o rancor, o medo, a culpa e a dor...Adorei e continuo seguindo os seus textos e histórias.Parabéns!!!Amei,Aída Mara

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  2. Ah!!!!Adorei a brincadeira do boneco!!!Já vou comprar a minha bonequinha e espero que eu não tenha pintá-la sempre!!!Mas vivendo no Brasil, a coisa anda meio complicada...Quanta falta de compromisso e ética das pessoas!!!Mas a bonequinha vai me lembrar que um piti desnecessário ou uma raiva desmedida pode intoxicar a mim mesma...O negócio é aprender a mensurar o tamanho do problema e redimensionar os sentimentos, ao invés de raiva, limites!!! Beijos, Aída Mara

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    1. Cuide bem da sua bonequinha!Voce merece!O Brasil é uma bonequinha toda manchada pela corrupção. E, nós, brasileiros, fazemos muito pouco para limpa-la ou para mante-la limpa.

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