quarta-feira, 9 de julho de 2014

NÓ DO MÊS



A DIALÉTICA DO DESEJO



 DESEJEI O DESEJO
 DESEJEI A FALTA DELE.
NA FARTURA DE TANTOS DESEJOS
ME FALTOU O DESEJO CERTO,
CERTAMENTE , A AUSÊNCIA DELE.
MAS A AUSÊNCIA SE FAZ FALTA
E DA FALTA SEMPRE BROTA
 O INCERTO DESEJO
QUE TUDO DESEJA,
INCITANDO-ME DESEJAR TUDO
QUE NÃO SE DEVE ANSIAR.
A ÂNSIA QUE FEDE DESEJO
EXALA ESTE AROMA QUE NÃO SAI DE MIM.
QUISERA EU, TER CHEIRO DE NADA,
MAS,  O NADA EXALA UM VAZIO
QUE NÃO DOU CONTA DE PREENCHER.
EMPANZINADA  COM TUDO
QUE TAMBÉM NÃO ME PREENCHE
CONTINUO DESEJANDO
O CRUEL E DIALÉTICO DESEJO
DE NADA DESEJAR.



O NÓ DO DESEJO


Desidéria sempre foi uma mulher repleta de desejos. Desejava, sobretudo, ser “a desejada”. Nunca foi nutrida satisfatoriamente com afeto pelas figuras parentais. Não se sentiu objeto de desejo em suas primeiras relações objetais.  Era uma criatura muito carente. Nasceu no distrito de uma pequena cidade do interior, mas sempre desejou os grandes centros. Amaldiçoava as suas origens,  a sua terra desconhecida e o povo simples daquele lugar. Sonhava com a pompa,  com o luxo e com o poder de sedução das atrizes de cinema de Hollywood.  Escondia sua mania de grandeza por detrás de uma fachada de simplicidade forjada e dramatizada para ser aceita e querida. Mas, a sua máscara sempre caia no convívio diário com gente que não preenchesse a sua sede de musa. Sentia-se a vítima dos encantamentos e desencantamentos que provocava nos outros. O que Desidéria mais temia era , na verdade, o que ela mais desejava. Temia a inveja das outras pessoas. Ser a invejada pressupunha não só ter o que o outro não tinha, mas, sobretudo, gerar neste outro o incômodo desejo de possuir o que era exclusividade sua. Gostava deste jogo de poder – poder ter o poder que ao outro faltava. Mas, por outro lado, este jogo lhe rendia a negatividade deste outro que, invejando-a,  tentava sugar a sua luz. Mesmo que artificial, esta luz que Desidéria exibia só iluminava o mundo de pessoas que se encantavam com a futilidade.
Desidéria nunca desejou, de fato, ser ela mesma. Na verdade, não sabia, nem mesmo, quem ela era de fato. Acostumada a representar, confundia-se com seus personagens preferidos. Era vítima dos encantamentos de pessoas iguais a ela. Chorava a dor de ser absorvida por tantas energias negativas, mas não abria mão deste cenário ao qual escolheu representar seu drama pessoal. Algumas vezes, tinha a lucidez de sentir a luz de sua alma. No entanto, esta luz não iluminava cenários artificiais. A luz de sua alma iluminava apenas o que ela rejeitava viver: uma vida autêntica. Ser verdadeira era o grande desafio que Desidéria sempre rejeitou. Escrava de um Ego que a aprisionava nas grades de insaciáveis desejos de ser o centro das atenções, pagava a pena diária da infelicidade e da paralisia de seu desenvolvimento pessoal. Por traz da imagem de uma mulher sedutora e  poderosa, vivia uma criança assustada e mimada que ditava as regras para um ser que não conseguia ter autoridade sobre si mesma. Sentindo sempre a falta de alguma coisa que não sabia o que, Desidéria contraiu uma depressão que se tornou a sua maior companheira.

Temos muitos desejos. É bom ou ruim tê-los? É bom tê-los na medida certa, na linha que define o equilíbrio que nos faz seguir em frente, buscar e construir objetivos saudáveis de vida. É ruim, quando nos tornamos escravos dos mesmos e perdemos a nossa direção. Há quem deseje direcionar o outro, além de si mesmo. Deixar o outro numa posição que lhe seja cômoda para satisfazer os desejos, mesmo que insanos, de um ego devorador. Há quem deseje não só a própria vida, mas a vida alheia também. Aos insaciáveis, os desejos se tornam perversos e doentios.  Com desejos doentes a gente se torna doente também.
Não é necessário negar os nossos desejos. Precisamos administra-los. A negação de desejos estimula, ainda mais, outro desejo mais forte -  o desejo de não desejar.
Há quem só deseje e não opere trabalhos necessários para a realização de seus desejos. Isto é muito perigoso, pois gera inúmeras frustrações. Trabalhar para realizar é uma lei muito importante que gera realização e, consequentemente, satisfação. O indivíduo frustrado é aquele que não realiza. O indivíduo que não realiza é aquele que não executa o trabalho certo. O indivíduo que não trabalha é aquele que deseja ser servido; para isto, acaba por transformar o outro em seu servo, ou no mínimo, deseja isto.
Alguns grandes mestres trabalharam no sentido de anular o desejo e o ego. Em função disto, muitos veem os desejos como uma manifestação imatura de nosso ser. A imaturidade sempre vai existir frente à maturidade. É o nosso obstáculo, mas é também a nossa desafiante condição atual. Há sempre a possibilidade de sermos mais maduros do que somos no momento. Mesmo o maior mestre que por aqui tenha passado, é imaturo frente a maturidade que ainda possa alcançar. Como seres humanos, estamos ainda numa condição muito imatura de ser: o “ser desejante”;  não adianta querermos negar esta nossa condição. O melhor a fazer no momento é administra-la.  Como salientei, anteriormente, nega-la pode ser muito perigoso, podendo incitar desejos ainda mais perniciosos capazes de se tornarem obsessões. Somos seres de falta. Não sabemos ainda lidar com ela. Somos como uma criança que não aprendeu ainda a andar. Daí, não adianta exigir desta criança a condição de mestre. Como fazer uma maratona de dezenas de quilômetros se não conseguimos ainda dar os nossos primeiros passos, ou se estamos ainda apoiados em algum suporte que nos mantem de pé ou tentando nos equilibrar para levantar e não cair? Antes de nos tornarmos mestres na área do desejo, precisamos passar primeiro pela condição de aprendiz; aprender, sobretudo, a desejar de forma saudável e cada vez menos de uma forma doentia tal qual somos estimulados a maior parte do tempo, principalmente por uma  sociedade materialista e capitalista  que se mantem forte graças à nossa fragilidade.  Quanto mais frágil, mas voraz seremos para nos sustentar com algo que nos dê a ilusão de força e plenitude. O mundo capitalista não precisa de pessoas fortes; precisa de pessoas vorazes. Assim, estará sempre nos estimulando a pensar que temos muito pouco e que precisamos de muito para sermos, de fato, reconhecidos e aceitos.
Somos quase sempre muito egocêntricos. O egocentrismo é uma condição infantil que deveria ser superada quando nos tornamos adultos. No entanto, crescemos só no tamanho e na idade. Dentro de um corpo adulto existe, quase sempre, uma criança fazendo birras descomunais.  É preciso entendermos que os nossos desejos não são ordens que precisam ser necessariamente cumpridas, principalmente pelo outro que nem sempre compartilha o mesmo desejo nosso.
Desidéria era um ser carente e um ser carente demanda sempre muito mais do que se tem. Nunca está satisfeito consigo mesmo e com nada que alcança. O desejo de uma pessoa carente não tem limite. E, sem limite fica esta pessoa, sobretudo, para desejar.
Como seres de falta, precisamos representa-la para não sentirmos angustiados. Precisamos aprender a lidar com as nossas perdas, saber o que fazer com elas para não cairmos em depressão. O desejo saudável ajuda no sentido de favorecer a busca de novas conquistas. O deprimido traz para dentro de seu ser a perda e a derrota, materializando a falta através de uma doença que é a somatização daquilo que não consegue suprir em si mesmo. O deprimido é como um ser sem suprimento. Podemos, em algum momento, não ter todos os ingredientes para fazer uma boa feijoada, mas precisamos ter suprimento para fazer, no mínimo, um feijão que mate a nossa fome. Se não tiver  feijão, transformar a fome num jejum que nos torne, no mínimo, mais fortes espiritualmente. Transformar as nossas derrotas numa experiência de crescimento é o mínimo para quem deseja seguir em frente. Ruminar nossas desgraças só traz indigestão mental, emocional e física.
A pessoa madura consegue lidar com a lei da interdição: dizer sim ao que pode ser sim e dizer não ao que não pode ser. Isto não significa ser resignado  e desistir de mudar aquilo que você pode mudar. Precisamos desistir de mudar apenas o que não depende da gente mesmo e  aceitar esta nossa impotência frente algumas situações na vida. É importante reconhecermos os nossos limites.  Mas, a quem queira tudo e não aceite nunca um não. O “não” só deve ser direcionado ao outro, jamais a si mesmo para criança mimada que mora dentro de nós.  
Lidar também com o desejo do outro não é nada fácil. Para ser reconhecido pelo outro, muitos deixam de reconhecer os seus mais profundos desejos. Para ser o bonzinho, deixa de ser suficientemente bom para si mesmo. Para não contrariar o outro,  se contraria. Para não frustrar o outro, acaba quase sempre frustrado e não ensina a este outro aprender a lidar com suas próprias frustrações. Faz deste outro o seu senhor e se torna o seu escravo. Para não desaprovar, desaprova-se. O medo de perder o amor e o reconhecimento, faz com que perca algo muito importante – a sua auto-estima e respeito por si mesmo.  Para ser aprovado, reprova o seu mais nobre direito – ser único e diferente. É como se tentasse, a todo momento, dizer para o outro: “Eu penso como ti, eu desejo o que você deseja, eu sou como você”. Esta atitude além de perigosa, é um crime e um atentado contra si mesmo.
Lidar com nossos desejos de forma madura será sempre o nosso maior desafio. Se você deseja se libertar de algum desejo, precisa, primeiro, aceita-lo e aprender a conviver com o mesmo, jamais nega-lo. Podemos criar equações menos complicadas para resolver, diante da nossa incapacidade de solucionar equações mais complexas de desejos que dão um nó em nossa mente. Com a mente focada numa equação mais simples e passível de ser solucionada com nossas atuais habilidades, talvez seja mais fácil abandonar uma outra que a gente esteja inapta  a resolver.  É mais fácil substituir um desejo por outro do que destruí-lo. Desejo não se destrói, transforma-se. Talvez, a historinha abaixo, consiga demonstrar a dialética dos desejos que tomam sempre conta de nosso ser.


ERA UMA VEZ...


Era uma vez um desejo que desejava não desejar. Saiu pelo mundo pregando a importância de matar ele mesmo  e os perigos de ser o que ele era - desejo. E cada vez que ele negava si mesmo, mais ele se afirmava como tal. E, à medida que ele se afirmava através de sua negação, mais ele crescia e mais forte ficava. E assim, ele foi crescendo e se fortalecendo  quando o que ele mais desejava era sumir e se enfraquecer. Foi ficando tão grande que passou ocupar espaços que não desejava ocupar, pois a gente se ocupa mais daquilo que a gente se obriga desocupar, do que daquilo que a gente nunca pensou a respeito. Virou um gigante! De tão grande, já não cabia mais em qualquer lugar, fazendo com que lugares cada vez maiores precisassem ser conquistados para cabe-lo e serem, consequentemente,  ocupados por ele. E, por mais que ele pensasse: “Não preciso deste lugar” - mais dependente dele ele ficava, pois tudo aquilo que a gente mais tenta se convencer não precisar, mais dependente a gente fica desta coisa. A verdade é que a gente só não precisa daquilo que a gente nunca pensa a respeito. Com tanto pensamento desejoso, o mundo foi ficando cada vez mais complicado e estratégias para conter a si mesmo, cada vez mais necessárias. Mas, o necessário é o remédio que aumenta o apetite do desejo. Assim, diante da necessidade ele foi ficando cada vez mais voraz. Nesta voracidade, foi devorando muita coisa e se tornou obeso, pesado demais. Ficou tão pesado que ficava difícil carregar a si próprio. E o peso foi deixando o desejo cansado. Cansado, ele foi ficando sem disposição. Sem disposição ele foi ficando sem vontade. E sem vontade ele foi ficando... Foi ficando, simplesmente. E, neste estado de não ter que ser e não ter que ir para lugar algum... Era uma vez um desejo.


ESPAÇO DE REFLEXÃO


Seus desejos são saudáveis ou perversos?
Seus desejos são seus ou você os impõe ao outro?
Seus desejos são um tônico para estruturar objetivos saudáveis de vida e trabalhar na consecução dos mesmos ou são ruminações obsessivas, famintas e sedentas de poder?


DESAFIO


Sente-se diante de um espelho e tenha uma séria conversa com o outro que você internalizou como sendo o  seu “senhor”, fazendo com que você negue os seus próprios desejos para satisfazer os dele. Diga a ele:
 Eu não penso como ti.
 Eu não desejo as mesmas coisas que você.
 Eu sou diferente e único.
Eu tenho meus próprios desejos.
Eu posso ser bom sem ser bobo.
Eu posso ser reconhecido respeitando os meus desejos.
Eu respeito os seus desejos, mas não nego os meus.
O fato de eu não satisfazer seus desejos, não significa que o meu amor por você não exista. O amor não deixa de existir só porque os desejos não podem ser satisfeitos.
Eu me posiciono.
Eu enfrento os seus desejos avessos aos meus.
Eu me acalento quando meus desejos não podem ser realizados.
Eu enfrento o seu desejo de aniquilar o meu, mesmo com medo.

Eu respeito o seu desejo sem precisar me desrespeitar. 

sábado, 15 de fevereiro de 2014

NÓ DA INTOLERÂNCIA




DESCOBRI QUE SOU MEIO PSICÓTICO.
VIVO NUM  MUNDO
ONDE A LEI É MEU DESEJO.
DESTITUÍDO DA REALIDADE,
VEJO SEU DESEJO ME PERSEGUINDO,
QUERENDO MATAR O MEU.
ARMO-ME COM A INTOLERÂNCIA
PARA NÃO HABITAR
E NEM MESMO COMPARTILHAR
UM MUNDO QUE NÃO SEJA O MEU.


DESCOBRI QUE SEU MUNDO
ESTÁ FORA E BEM ALÉM  DE MIM.
REJEITO A LEI DO SEU DESEJO
PERSEGUINDO COM OS MEUS
A SUPREMACIA DE SEU SER.
TOLERO APENAS
AQUILO QUE NÃO TOLERAS EM MIM.
NA NOSSA DIVISA TERRITORIAL
HÁ GRANADAS DE PROTEÇÃO
QUE DESTROEM QUALQUER RELAÇÃO MÚTUA.


EM MEIO A TANTAS DESCOBERTAS
HÁ ALGO ENCOBERTO POR NÓS.
TALVEZ A CAPACIDADE DE CONJUGAR
O VERBO NA PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL.
CONJUGAR O NOSSO MUNDO.
UM MUNDO QUE NÃO SEJA SÓ MEU
OU SÓ SEU, APENAS.
QUE SEJA,  SOBRETUDO
AMADO, OU NO MÍNIMO,  TOLERADO
POR NÓS DOIS.


Pacífico, de pacífico não tinha nada; só a necessidade de ser tal qual o seu nome. Não tolerava nada. Tudo tinha que sair do seu jeito. Incapaz de lidar com as suas frustrações, andava sempre muito furioso. Queria que o mundo e as pessoas fossem  à imagem e semelhança de seus desejos.
Pacífico separou-se da sua primeira esposa por não dar conta de tolerar os limites impostos pelo corpo da mesma para gerar um filho. Sem dar conta de respeitar o tempo que esta esposa precisava para conseguir engravidar, resolveu se separar e apostar numa segunda chance de ter um filho segundo a rítmica de seus egoísticos desejos. Embora, a primeira esposa tenha conseguido se engravidar de um outro homem mais tolerante e paciente,  três anos depois desta separação, Pacífico nunca se deu por vencido; insistia em dizer que a ex-esposa  negara lhe conceder o filho tão desejado e não a sua intolerância para esperar o tempo certo para isto.
Casado pela segunda vez, teve, finalmente, o filho tão desejado.  Seu filho nunca conseguiu ser percebido como um filho, ou seja, como um ser independente; sempre foi percebido como uma extensão de seus desejos. Seu filho deveria ter a personalidade que  a sua cabeça doente criou e não a personalidade  criada pela essência de vida concedida ao mesmo. Na cabeça de Pacífico, o filho deveria ser muito pacífico; pacífico o suficiente para tolerar todos os desmandos e tormentos que este pai concedia a este filho. Ao contrário de tudo que desejava, ganhou da vida um filho muito rebelde e agressivo. Dona Vida parecia querer ensinar alguma coisa a Pacífico espelhando no filho a própria cara do pai.
 Desde a mais tenra idade, Pacífico não tolerava as mínimas dificuldades do filho, até mesmo as dificuldades próprias da idade. Forçou o filho a andar antes que este estivesse, de fato, preparado. Isto rendeu ao mesmo muitas cicatrizes no rosto. Era uma criança que caía muito, pois foi privado de engatinhar para ofertar ao mundo passos aos quais não estava preparado. E assim, foi caminhando pela vida afora, conduzido pela ânsia e pelas imposições de um pai ditador, despreparado para os passos que era constantemente obrigado a dar, sempre  tropeçando e caindo ao longo  das tortuosas estradas da vida que ousava imaturamente trilhar. Na adolescência, pai e filho viviam em pé de guerra;  cada um querendo impor o seu mundo ao outro. Só não havia abertura para compartilharem o mundo do outro.
Das escolhas que o filho fez na vida, pouquíssimas delas foram toleradas por Pacífico. Armava-se da intolerância para impor ao filho uma vida que só era desejada por si mesmo. Para firmar uma identidade, o filho seguiu as piores referências que o pai lhe ensinara desde o seu nascimento através de seu próprio exemplo;  tornou-se mais intolerante ainda que seu mestre paterno. Se o mestre é bom, o discípulo quase sempre o suplanta. E, foi assim, que o filho conseguiu superar o pai na intolerância e no ódio.  


Aprendemos a ser intolerante com os intolerantes que nos cercam. Exemplos é que não faltam numa sociedade avessa à tolerância. Se viver a tolerância é difícil, com certeza, viver a intolerância é ainda muito mais, já que a energia desta não é agradável de ser sentida, nem tampouco, conjugada. O intolerante só conjuga os ditames de seu ego ditador. Tem muita dificuldade para aceitar as diferenças que são sempre vistas como uma ameaça ao modelo de vida que ele estabeleceu como saudável e correto; na verdade, saudável  apenas para si mesmo, pois em nenhum momento, deseja saber se as normas de sua ditadura é saudável para o outro. 
A intolerância não abre espaços para paciência e para serenidade reinar. O semblante de um intolerante está sempre fechado denotando uma fisionomia que pronuncia uma ordem de afastamento. A interação é sempre evitada e temida. O intolerante só interage com seus próprios desejos. Vivemos numa sociedade intolerante. Foi preciso criar leis para que as diferenças pudessem ser aceitas e respeitadas. A intolerância religiosa, racial, sexual, dentre outras, já fez inúmeras vítimas fatais. Embora hoje, sejamos obrigados a tolerar, não atingimos ainda a maturidade para naturalmente aceitar e perceber a importância das diferenças. Enquanto a maturidade não chega, precisaremos ser monitorados por leis que restrinjam e coíbam a supremacia de nosso ego.
A nossa criança interna faz birras; quer que seus desejos sejam atendidos, por mais mesquinhos que sejam. Nunca quer saber se a atenção exclusiva aos seus desejos prejudica outras pessoas. O importante é a satisfação de suas demandas. Um ser maduro consegue conciliar a satisfação de suas necessidades com as do próximo. Sabe perceber a existência do outro e não somente a sua própria. O imaturo só percebe o outro quando este lhe convém ou realiza seus desejos. O ser maduro sabe que é também “o próximo” diante do outro; consegue interagir, compartilhar e valorizar as diferenças. Se as diferenças o incomoda, sabe, no mínimo, respeita-las ou propor acordos. O intolerante tem sempre uma frase pronta que vomita diante de qualquer adversidade: “Eu não sou bobo!”. Para não viver a condição de “bobo” ou por temer ser “passado para trás”, quer  estar sempre à frente de todos. Para isto, não respeita o espaço alheio, deseja um espaço só seu. Se irrita profundamente quando tem que conjugar espaços. Exemplos clássicos de intolerância acontecem, a cada minuto, no trânsito caótico de nossas cidades. Se alguém se encontra à frente de um intolerante no trânsito, num ritmo mais lento, obrigando-o a desacelerar... Eis o cenário perfeito para a intolerância reinar.  Buzinar rispidamente, frear bruscamente diante do outro, fechar e até mesmo bater no veículo alheio são estratégias de condutores imaturos que desejam impor a sua condição frente o desejo de ser único num cenário tão diversificado e complexo. Assistimos cenas cada vez mais bizarras. As pessoas se enlouquecem diante da necessidade de compartilhar um  espaço cada vez menor nas ruas de nossas cidades.   Há também os intolerantes com sinais de trânsito. São capazes de desrespeita-los, mesmo diante de um pedestre atravessando a rua. Quantas vezes, quase fui atropelada na cidade do Rio de Janeiro, pelos intolerantes que circulam pelas ruas desta cidade maravilhosa, principalmente pelos condutores de transportes coletivos. Que perigo! Intolerantes conduzindo inúmeras pessoas ao longo do dia, não só no trânsito, mas dentro de escolas como educadores, dentro de famílias como pais, dentro de igrejas como padres e pastores, enfim dentro de cada um de nós pode existir um intolerante muito perigoso. É preciso ficar atento às imprudências dos intolerantes. Aliás, um intolerante acaba sendo sempre muito negligente e imprudente. São pessoas que apresentam extrema dificuldade para lidar com limites. Para aqueles que possuem estas dificuldades, acaba sendo necessário usar a linguagem energética a qual estão habituados e aptos a entender para impor um respeito que poderia ser natural. A criação de leis duras acaba sendo um mal necessário, entretanto, incapaz de solucionar o problema.  O ideal ainda está muito longe de ser alcançado – a capacidade de agir naturalmente segundo uma consciência calcada no bem coletivo. A ação humana é ainda conduzida pelas “normas” de bom convívio  e não pela “consciência” de boa convivência.  Infelizmente, ainda há muitos seres humanos que precisam ser adestrados. A educação por si só não funciona para quem resiste aos limites, à observância e  respeito ao próximo. Mas, a educação aliada à uma ética social, hoje escassa, é com certeza o caminho rumo a este ideal.
Saber comungar é uma virtude rara. Tem gente que se diz comungar com Deus, mas na verdade, só comunga os desejos que impõe a este realizar. Vê Deus como uma propriedade privada – “Deus a mim pertence e a mim deve servir”.  Poe desejos em Deus que são, na verdade, seus. Deus deve desejar o que deseja e executar as suas ordens, quase sempre travestidas de pedidos ingênuos e bonzinhos.  Se Deus realiza um desejo do outro que vá contra o seu, a ira inconsciente contra o mesmo é detonada. Temendo este Deus que ele próprio criou, acaba projetando sua ira contra a pessoa mais próxima por medo de ser punido por este ser divino, criado à sua imagem, semelhança e intolerância. Desconta no outro aquilo que não dá conta de cobrar de Deus.  A incapacidade de ver Deus como Deus, acessível a qualquer criatura, seja ela a mais desprezível nos conceitos de quem quer que seja, impede aos seres humanos comungar.
Da comunhão nasce o relacionamento, o compartilhamento e a interação. Nasce também a irmandade; deixo de ser filho único para ser mais um. Neste cenário onde coexisto, sou incitado a dividir com o irmão. O conjunto deixa de ser unitário, preenchido apenas por mim; passa a ser um conjunto infinito. Se já é difícil compartilhar com duas ou mais pessoas um espaço em comum, imagina compartilhar com infinitos seres este mesmo espaço. Nossa missão é muito maior do que imaginamos. Rejeitamos esta missão quando agimos com intolerância. A tolerância será o primeiro passo para interagirmos de forma mais harmônica com o outro e com tudo que nos rodeia. Se conseguirmos cumprir a nossa missão, seremos muito mais do que tolerantes, seremos seres sábios e amorosos. Sairemos deste mundinho estreito que impomos a nós mesmos numa tentativa de controlar tudo e a todos e conseguiremos perceber um universo complexo e incontrolável dentro de todos nós. Compreenderemos que somos partes de um todo e ao mesmo tempo um todo formado por infinitas partes. Saberemos que nenhuma parte exclui a outra, apenas se complementam. Dotados de uma consciência de complementariedade, brigaremos menos, pois nos sentiremos menos ameaçados. Sem a ameaça nos rondando, saberemos que poderemos coexistir. Coexistindo, não seremos solitários; compartilharemos a nossa essência de ser ao mesmo tempo tão parecido e tão diferente do outro. Para entender melhor a dinâmica deste compartilhamento, leia a história abaixo.

A Briga entre os Deuses


Na nossa cultura, geralmente cultuamos um só Deus. Há, por outro lado, outras culturas que veneram vários Deuses ao mesmo tempo. Independente de qualquer coisa, a minha imaginação divina, cria histórias que possam tornar mais compreensível o que é, deveras, complicado de entender. Sendo assim, pouco importa se Deus vai ser uno ou múltiplo. O importante é que ele seja. Começo a minha história com um Deus que resolveu parir vários filhos, portanto, Deuses também, pois filho de Deus, Deus é.  E é a história destes filhos que vou lhes contar agora.
O grande Deus teve muitos filhos, alguns deles combinavam muito bem, outros nem tanto, como por exemplo, o Deus Dia e o Deus Noite. Houve uma época em que o Dia e a Noite não se toleravam. O Dia só aceitava o seu desejo de ser luz e a Noite só aceitava o seu próprio desejo de ser escuridão. O Deus Dia  ficava muito chateado quando o Deus  Noite chegava e impunha a sua presença. Achava que a chegada da Noite lhe roubava o seu brilho, a sua luz e a sua importância de SER. Temia perder o seu reinado e que a Noite pudesse passar a governar para sempre a vida no planeta onde foram criados. Por outro lado, a Noite tinha a mesma chateação. Não tolerava nem um pingo de luz para não se sentir subtraída e exterminada pelo Dia. Mas, independente da chateação destes Deuses, o Dia e a Noite sempre morriam e deixavam de existir em algum momento e em algum lugar, como também, renasciam e  passavam a existir em algum momento e em algum lugar. Nestes tempos remotos, Dia e Noite existiam totalmente independentes um do outro; cada um fazendo o seu papel e rejeitando o papel do outro. Cada um se achando mais importante e reverenciando o seu desejo exclusivo de Ser. Dia e Noite se rejeitavam completamente. Não havia entre ambos nenhum espaço de interação. O dia se apagava e a noite aparecia como num passe de mágica, assim como o acender e o apagar de uma lâmpada. Ambos sabiam da existência do outro, só não sabiam da importância deste outro, de certa forma, desconhecido. A ameaça que cada um representava era o único conhecimento que possuíam um do outro.  Conheciam, apenas, uma operação: Deixo de ser quando o outro passa a ser. Deixo de existir quando o outro existe. Ser ou Não Ser; Existir ou Não Existir, passou a ser uma questão complicada na vida do Deus Dia e do Deus Noite. Como eram Deuses, eram, com certeza, muito importantes e poderosos. Jamais seriam extintos. Mas, mesmo sabendo que eram para sempre Dia e Noite e que existiriam para sempre como Dia e Noite,  sentiam que, mesmo existindo,  deixavam de Ser e de Existir em algum momento. Que operação complicada! O Deus, pai do Dia e da Noite, percebendo a complexidade deste problema e a intolerância que reinava entre Dia e Noite, resolveu intervir. Criou um momento onde pudesse haver uma interação e uma troca mútua entre o Dia e a Noite; um momento onde eles pudessem compartilhar as suas diferenças. A lâmpada não seria acesa e apagada num passe de mágica. Haveria um processo de transformação onde um Deus pudesse sentir o outro completamente. Foi assim que criou o crepúsculo matinal , um momento onde o dia não é tão dia assim, e, o crepúsculo vespertino, um momento onde a noite não é tão noite assim. O dia experimenta em seu corpo a energia da noite e vice versa. Dia e noite se interagem, sentindo a energia provida por cada um e a energia provida entre ambos neste acasalamento crepuscular.
Foi neste momento de interação mútua, que o Deus Dia e o Deus Noite compreenderam que são ambos, um só Deus, partes de um todo; partes que se complementam mutuamente. Foi neste momento mágico, de tolerância mútua, que nasceu a compreensão e uma grande sabedoria. “Ser” ou “Não Ser”; “Existir” ou “Não Existir” transformou-se num passe de mágica em “Ser” e “Não Ser”; “Existir” e “Não Existir”. Nesta dialética de poder ser as duas coisas, renasceu , finalmente, a verdadeira essência divina em ambos os Deuses. Dotados deste novo saber, Dia e Noite  não precisaram nunca mais se tolerar. Brotou algo maior do que a tolerância entre eles. Copulando suas energias no crepúsculo, gestaram e pariram o infinito. Mais do que um dia ou uma noite, o “Para Sempre” passou a ser a maior prova de amor entre os Deuses da Noite e do Dia. Deste amor entre eles, nasceu o tempo. E o tempo não para... Segue sendo Dia, segue sendo Noite. E como já disse anteriormente... Filho de Deus, Deus é.  Deus Tempo, filho do Deus Dia com o Deus Noite há também de existir para sempre mesmo que o tempo mude. 


ESPAÇO DE REFLEXÃO



  • O meu desejo é mais importante para mim ou para mundo?
  • O meu desejo é o desejo mais importante a ser realizado neste momento, ou pode haver outros tão importantes quanto o meu que inviabilizam a realização imediata do mesmo?
  • Dou conta de coexistir junto com o outro ou me imponho uma existência solitária para que todo espaço existente seja ao outro privado e a mim concedido como um privilégio?
  • Aceito não ser prontamente atendido neste meu desejo atual?
  • Ao invés de me tornar um "intolerante", dou conta de administrar, com tolerância, meus momentos de intolerância?


DESAFIO


Olhe para o outro sem o desejo de querer enxergar, apenas, a si mesmo.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

NÓ DA TRISTEZA PATOLÓGICA


VIVO
QUASE CHEGOU A MORRER DENTRO DE MIM.
MORTO
ANDA TÃO VIVO AQUI DENTRO
QUE CHEGO A PROCURA-LO FORA.
LÁ FORA ENCONTRO APENAS
UMA SEPULTURA COM SEU NOME.
AQUI DENTRO
O MEU AMOR SOBREVIVE
NÃO ACEITA MORRER.

VIVA
MORRO
DEVAGAR
A VAGAR PELO DESEJO
DE ENCONTRAR
O QUE FICOU
PERDIDO.
ENCONTRANDO APENAS
                                              O NOSSO DESENCONTRO
NÃO CONSIGO MAIS ME ENCONTRAR.

PERDIDA DE VOCÊ
PERDIDA EM MIM
ANDO TITUBEANDO 
ESBARRANDO
NAS ARESTAS DE UMA HISTÓRIA
QUE NÃO PODE SER MAIS
RESTANDO-ME O CONTENTAMENTO
DE CONTA-LA, APENAS
VIVÊ-LA...
JAMAIS

VAZIA
PREENCHO-ME
DO QUE NÃO PODE SER
NUTRINDO-ME DE FALTAS
NOCAUTEANDO A ALEGRIA
QUE DESEJA VENCER
O INIMIGO QUE EU NUTRO
NO MEU SER
QUE NÃO ME DEIXA SER
FELIZ

MEU SER TRISTE
SE ENGRANDECE
COM A SUA FALTA 
 E COM A FALTA
DAQUILO QUE EU PODERIA SER.
SEM VOCÊ
SEM MEU PODEROSO EU PERDIDO
FICO SOZINHA
COM O PSEUDO SER
DAS MINHAS SOMBRAS.




O NÓ DA TRISTEZA PATOLÓGICA




Sônia tornou-se, ao longo da vida, uma especialista. Há vários tipos de especialistas, principalmente, na área médica. Há médicos que tratam das mais variadas dores. Sônia não era médica, mas era especialista em dor; não era especialista no tratamento de dores, mas no cultivo delas. Parecia sentir certo prazer em sentir-se triste. A dor da tristeza preenchia seu mundo vazio.
Os olhos de Sônia sempre procuravam as trevas. Toda luz que incidisse sobre sua vida era apagada, rapidamente, com seu humor constantemente deprimido. Era especialista em procurar problemas insolúveis mesmo em circunstâncias onde as soluções eram evidentes. Procurava a solidão mesmo quando um grande amor procurava o seu aconchego. Não abria seu coração. Mantinha suas portas sempre bem trancadas para não ter que dividir seu mundo e seu espaço com mais ninguém que não fosse ela mesma. Foi diagnosticada como deprimida. Tomou inúmeros antidepressivos, tratou com os melhores e mais variados  profissionais de saúde, aderiu a vários cultos religiosos, mas nada conseguiu despertar a felicidade adormecida ou mortificada em seu ser  doentio, obcecado pela tristeza.
Sônia tornou-se uma mulher, eternamente, insatisfeita. Não conseguiu amar e nem mesmo se sentir amada por ninguém, embora se considerasse uma pessoa amorosa. Confundia possessividade com amor. “Tinha” seus amores, mas não conseguia “sentir” seus amores.  Não encontrou nenhuma profissão que a preenchesse de fato. Trabalhava por obrigação e não por prazer. Aliás, prazer era uma coisa que não sabia vivenciar; só o prazer de ser uma pessoa doída.
Quem observava o mundo que envolvia Sônia, chegava a pensar que ela tinha todos os motivos para ser uma pessoa feliz e bem sucedida. Sempre teve uma boa posição social, um ótimo emprego e salário, morava num bairro maravilhoso,  num ótimo apartamento, tinha muitos bens, recursos materiais e inúmeras pessoas que lhe amavam ao seu redor; enfim, era dotada de uma vida farta, relativamente sem dificuldades. Mas, nada do que tinha seduzia esta mulher viciada em dificuldades, em faltas e em tudo aquilo que ficou perdido. Sônia matou, lentamente, quase todos os seus amores e suas conquistas. Nunca valorizou as dádivas ofertadas pela vida, só as perdas. Parecia se sentir nutrida apenas com aquilo que lhe faltava. Nutria-se de dor. Pode parecer loucura, mas este é único  alimento que saciava  a sua fome de ser uma mulher que se identificava, sobretudo, com a infelicidade.


Tristeza faz parte da vida, mas não precisa ser o nosso pão do dia a dia. Tristeza deve ser consequência e não o nosso alimento e meta de vida. É inevitável, natural e saudável expressar tristeza quando a perda nos atinge. Existe sempre uma perda por detrás da tristeza. Precisamos enfrenta-la e transforma-la para que a verdadeira alegria possa novamente habitar o cenário de nossa vida. A negação da tristeza não trás nenhum bem estar a nenhuma criatura. Fingir alegria não transmuta nenhuma energia negativa. No entanto, todo problema existe para ser resolvido e transmutado. Talvez, a melhor definição para o termo saúde seja a “capacidade de sair do problema”. E, a melhor definição para o termo doença seja “a permanência no problema”.
Elaborar o perdido é um processo difícil e doído, no entanto, fundamental ao nosso crescimento e amadurecimento psicológico.  Há, entretanto, pessoas que se negam elaborar qualquer perda, mínima que seja. Como Sônia, ao invés de tratarem da dor, alimentam-na e fortalecem a negatividade. A tristeza deixa de ser uma consequência de uma perda para se transformar numa fonte que abastece a própria vida. A convivência com pessoas assim é sempre muito difícil, pois estas criaturas são, demasiadamente, destrutivas e negativas; fazem sempre questão de se resvalarem nas arestas de todo relacionamento para infundirem feridas em seu ser doentio que possam se transformar em motivo de dor e sofrimento. A felicidade é  indesejada e, de certa forma, um incômodo para os viciados em dor. Pode parecer um paradoxo, mas a infelicidade passa a ser a “felicidade” almejada. Tem gente assim? Tem muita gente assim. Aliás, mesmo que não sejamos assim, possuímos uma tendência a vivenciar, vez ou outra, este padrão de comportamento. Em algumas pessoas, esta característica passa a ser um padrão de comportamento frequente e definitivo, em outras, um traço esporádico que aparece de vez em quando.  Muitas mulheres, por exemplo, manifestam este traço de comportamento negativista e deprimido no inconveniente período da TPM. É importante lembrar que durante este período o corpo da mulher se prepara para receber um outro ser. É como se houvesse uma abertura para que ela possa receber e nutrir um outro espírito.  Se ela não engravida de um ser humano, a sintonia da mulher nesta fase, vai fazer com que ela  se engravide de energias negativas ou positivas. A negatividade que existe dentro de nosso ser pode tornar este período insuportável.
Personalidades negativas possuem  uma forte tendência à depressão, embora a depressão não seja uma doença causada apenas por este padrão comportamental. Há inúmeros fatores capazes de gerar uma  predisposição ou desencadear a depressão, dentre eles, fatores genéticos. Há, portanto,  pessoas deprimidas que não se encaixam dentro deste perfil.
Os viciados em dor não desejam nunca curar as próprias feridas. Cutucam-nas para que possam abri-las um pouco mais e acentuar a dor. Não conseguem preencher a vida com os habituais prazeres que a grande maioria se abastece. A tristeza é o grande combustível capaz de mover a vida destas pessoas; sem ela, não conseguem sentir.
Não adianta querer ajudar este tipo de pessoa a cultivar prazer na vida ou a curar a tristeza por eles tão vangloriada. Falam de suas tristezas como se não gostassem dela, no entanto, não abrem mão da mesma. Estão sempre à procura de problemas e do lado negro da vida e de todas as pessoas que lhe cercam. São povoados por um vazio capaz de ser preenchido apenas pela falta. Paradoxal. Como pode a falta preencher um vazio? A falta é repleta de contextos de vida trágicos, negativos que nos enchem de tristeza e amargura. Há paladar para tudo. Há quem goste do sabor da dor e se vicie no desejo de ter o que nunca poderá ser possuído. Se possuído, perde o encanto e um novo desejo impossível nasce infundindo novamente uma falta que gera um desprazer, paradoxalmente, prazeroso para mantê-lo neste ciclo vicioso. Para algumas pessoas a vida deve ser pesada para ser sentida. A capacidade de sentir encontra-se bloqueada por certa insensibilidade. É como se o toque da leveza não pudesse ser sentido, só a dureza e a aspereza. É como se houvesse uma  roupagem muito pesada para proteger a sua pele emocional impedindo que toques leves e suaves possam ser percebidos. Provavelmente,  em algum momento da vida foram significativamente feridos precisando, como defesa, confeccionar uma véstia emocional  bem grossa para se proteger de novas feridas. Com uma véstia assim, só situações bem pesadas conseguem tocar este pele tão protegida. E como precisamos do toque para sentirmos vivos, só uma “porrada” muito grande despertará sensações significativas  nestas pessoas.
Há cura para este tipo de personalidade? Há cura para tudo, dependendo da abertura e da sintonia da pessoa envolvida neste processo de cultivar a dor. O caminho da conscientização é sempre o primeiro passo.  
Difícil entender a dinâmica do ser doído.  Talvez seja melhor entender tudo isto de uma forma mais lúdica. Nada melhor do que uma boa história para ajudar nossa criança interna entender esta complexidade toda.


TRISTIXINHA


Era uma vez uma lagartixa chamada Tristixinha que nasceu num sobrado abandonado. A história dela começa mais ou menos assim...
Crac, crac. A casca de um pequeno ovo foi, repentinamente, rompida e de lá saiu uma linda lagartixa. Seus olhos assustados olharam o mundo procurando algo que nem ela sabia bem o quê. Como todo recém-nascido, provavelmente, por uma mãe que lhe pudesse dar proteção e referências neste novo mundo tão amplo e desconhecido. Mas, o que encontrou foi apenas um sobrado antigo, abandonado e a si mesma no meio disto tudo. O que fazer agora? Sobreviver! Ecoou dentro de si um eco vindo de seu mundo instintivo.  E, foi neste mundo instintivo que Tristixinha buscou todas as informações para poder sobreviver, crescer e se defender de todos os perigos; aprendeu a caçar sozinha seu alimento, se cuidar e  se proteger.
Sobreviveu, cresceu e se tornou uma linda lagartixa. Vivia sozinha, sem saber bem o que era tristeza ou alegria. Vivia uma vida vazia onde sobreviver era o grande lema de sua vida.  Tinha a adrenalina como companhia quando algum perigo punha em risco a sua vida. Mas, passado o perigo, a monotonia tomava conta. Tomada, constantemente, por esta energia, resolveu, certo dia, conversar com ela:
 _ Quem é você que me invade tanto todos os dias?
_ Sou a Dona Monotonia. Respondeu aquele sentimento incômodo.
_ Mas, a sua companhia é muito chata! Daria para me deixar em paz? Reclamou a lagartixinha exibindo uma careta bem feia.
_ Para isto precisaria chamar a Dona Felicidade. Ela, com certeza, vai preencher a sua vida com alguma coisa interessante. Ponderou Dona Monotonia sem se sentir incomodada com o incômodo de Tristixinha.
_E você?.. Não poderia preencher a minha vida com estas coisas interessantes? Retrucou a lagartixa.
_Infelizmente, não. Eu só preencho a vida das pessoas com o nada. Nada mais do que isto. Respondeu, com firmeza, Dona Monotonia.
_ Nada! Como assim? Perguntou  a lagartixa com uma expressão confusa.
_ Nada que provoque um sentimento bom ou ruim. Preencho com o vazio. E, pelo que vejo, meu vazio deve ser cheio de coisas chatas, pois a maioria das pessoas reclamam que estão cheias do vazio que lhes oferto. Por outro lado,  não fazem nada verdadeiramente efetivo para sair dele. Embora reclamem, acho que acabam gostando dele.  Salientou Dona Monotonia.
_ Mas, eu não estou gostando nem um pouco deste vazio. Você poderia me dizer onde eu posso encontrar esta Dona Felicidade? Solicitou Tristixinha.
_ Ela costuma estar em todos os lugares, mas nem sempre conseguimos enxerga-la. Eu, por exemplo, nunca consegui ver a cara dela. Dizem que é preciso estar atenta. Abra bem seus olhinhos! Quem sabe assim, você consegue enxerga-la ou mais do que isto, senti-la. Alertou Dona Monotonia.
_ Enxerga-la e senti-la? Não entendi. Dá para explicar melhor? Solicitou a lagartixa.
_ Dizem que tem gente que consegue enxergar Dona Felicidade, mas não consegue senti-la. Mas, não me pergunte o por que; porque como eu lhe disse, “nada” é quase tudo que eu sei. Até encontra-la, contente-se com a minha companhia. Uma vida monótona pode não ser uma vida tão interessante, mas é uma forma de vida, principalmente para aqueles que não encontram uma forma de viver que valha à pena. Aconselhou Dona Monotonia.
_ Mas, o que vale à pena viver? Perguntou a lagartixa colocando suas mãozinhas na cintura e batendo seus pezinhos no chão como se tivesse ao mesmo tempo fazendo uma reivindicação.
_ Eu não sei nada sobre isto, mas ouvi dizer por aí que, o que vale à pena é aquilo que nos retira a pena que a gente se impõe pagar todos os dias. Confesso que não entendi... Admitiu Dona Monotonia.
Tristixinha também não entendeu e não gostou muito das colocações de Dona Monotonia, mas teve que aceitar e  se contentar com a marcante presença dela , sempre ali, sem faze-la sentir algo que desse um sentido à sua vida. Absorta em seus pensamentos sobre o sentido da vida e sobre a pena que Dona Monotonia fizera referência, foi despertada por um barulho estranho vindo da cozinha daquele sobrado a tantos anos totalmente abandonado. Correu até lá e surpreendeu-se. Deparou-se com uma família de lagartixas decididas a mudar para aquele local. Os olhos de Tristixinha se arregalaram. Com seus olhinhos bem arregalados deixou de sentir Dona Monotonia e foi tomada pelo sentimento de ameaça. Escondeu-se atrás de um velho armário, também abandonado, e pôs-se a observar o comportamento daqueles seres tão diferentes dela. Aos olhos de Tristixinha, a diferença era tão grande que jamais poderia supor que se tratava de seres da sua espécie. Ao longo do tempo que as fitou atentamente, presenciou atitudes jamais imaginadas; aquelas lagartixas davam estridentes risadas, se abraçavam, dançavam, contavam histórias inéditas que Tristixinha  não conseguia absorver. Que sentimento era aquele vivenciado por aqueles seres tão estranhos?  Seria a Dona Felicidade comentada por Dona Monotonia? Tristixinha passou muitos dias escondida, observando aquela forma estranha de ser que ela desconhecia. Tinha vontade de experimentar aqueles sentimentos novos e estranhos expressados, naturalmente, por todas elas, mas não conseguia. Teve vontade de roubar estes sentimentos de uma delas, mas não sabia como fazer isto.  Se soubesse faria, pois um sentimento novo começou habitar aquela lagartixinha; começou a sentir  falta  daquilo que nunca sentiu, mas que assistia escondida por detrás daquele armário abandonado. Mesmo sem ter um dia experimentado ou possuído aquilo tudo, sentiu-se invadida pelo sentimento de falta. Tinha a sensação de que algo lhe foi roubado pela vida e uma sensação ainda maior de perda tomou conta de seu ser. De posse destas sensações novas, Dona Monotonia nunca mais apareceu, mas Tristixinha passou a ser preenchida por um sentimento novo até então desconhecido. Confusa, resolveu travar uma nova conversa com esta energia nova que tomava conta de seu ser:
_Quem é você que me preenche com tanta intensidade?
_ Sou Dona Tristeza. Respondeu aquele sentimento novo.
_ Dói muito sentir você. Reclamou Tristixinha.
_ Então, está tudo certo, pois é justamente esta a minha função; faze-la sentir dor. Esclareceu Dona Tristeza.
_ Mas, eu não quero sentir dor. Retrucou Tristixinha.
_ Então, me retire de seu ser. Eu não tenho o poder de permanecer dentro de você, caso não me permita residir aqui. Informou Dona Tristeza.
_ E, como é que posso tirar você de dentro de mim? Perguntou Tristixinha.
_ Abrindo espaços para a alegria, por exemplo. Se ela entrar, eu saio. Temos frequências energéticas opostas e não suportamos coexistirmos juntas. Salientou Dona Tristeza.
_ Você deseja ficar ou sair de dentro de mim? Indagou Tristixinha.
_ Eu não desejo nada. Apenas, realizo o seu desejo de me manter aqui dentro ou de sair em busca de outro ser. Sendo mais clara...Você deseja! Esclareceu Dona Tristeza.
Apontando para as Lagartixas que conversavam, alegremente, numa farta mesa de lanche, à base de mosquitinhos de inúmeras espécies, Tristixinha perguntou:
_Você as habita também?
_ Às vezes, mas não consigo permanecer dentro delas por muito tempo. Elas possuem  uma energia poderosa dentro delas que me acolhe por certo tempo, mas acaba me expulsando, em algum momento, e cedendo espaço para  a alegria entrar.
_ Que energia é esta? Perguntou Tristixinha exalando muita curiosidade.
 _ Dona Felicidade. Poderosíssima! Exclamou Dona Tristeza expressando certo respeito e admiração por aquela energia .
 _ Não entendi muito bem! Por que ela deixa você entrar e depois te expulsa de lá. Perguntou Tristixinha franzindo sua testa.
_ Ela, inclusive, sempre me agradece quando eu vou embora. Sempre  diz ser necessária  minha presença, porém equilibrada, na vida das pessoas. Ponderou Dona Tristeza.  
_ Presença equilibrada desta dor que você nos oferta? Como assim? Perguntou confusa a lagartixinha tristonha.
_ Não sei lhe explicar muito bem. Você teria que acolher a Felicidade dentro de você para entender tudo isto na prática. A única coisa que ela sempre diz é que o equilíbrio oferta saúde, maturidade e iluminação para  todos os seres. Alertou Dona Tristeza.
_ Eu quero estas coisas. Parece serem boas! Se eu te mandar embora agora, você vai, Dona Tristeza? Demandou  Tristixinha.
_ É claro que vou! Mas, você quer isto mesmo? Afirmou Dona Tristeza indagando, ao mesmo tempo, o verdadeiro desejo de Tristixinha.
 _ Tem, por acaso, alguém que não quer? Perguntou a lagartixinha movimentando sua calda.
_ Tem muita gente que só me quer passageira. São aquelas pessoas dotadas de Felicidade. Outras, entretanto, me querem definitiva. Colocam a minha energia em tudo que pensam e fazem. Estão semmmpre tristonhas! Chegam, algumas vezes, a contrair uma doença chamada depressão que lhes rendem uma nova identidade. Explicou Dona Tristeza.
_ Identidade? O que é isto?
_ Identidade é como se fosse o seu rótulo, a sua marca. Estas pessoas passam  a ter o rótulo de depressivas e parecem ganhar algumas coisas com isto. Conjecturou Dona Tristeza.
_ O que elas ganham?
_ Muitas coisas! Cuidados médicos, atenção ou até mesmo a falta de atenção do outro que passa a não suporta-las. Mas, vítimas da falta de atenção ou de qualquer outra falta, elas ganham um álibi poderoso para me manter dentro delas. Acho que sou, de certa forma, viciante. Completou Dona Tristeza dando uma risadinha sarcástica.
_ Viciante? O que é isto? Perguntou, novamente, Tristixinha querendo compreender este mundo complexo relatado por Dona Tristeza.
_ É o que me mantem dentro de você. Se não estivesse viciada em mim, já me teria mandado embora  a muito tempo. Não ficaria me perguntando se eu iria embora. Você me colocaria para fora de você e pronto. Já faz muito tempo que estou dentro de ti. Já teve tempo suficiente para viver a minha dor  e aprender com ela algumas coisas. Se me mantem aí dentro é porque está viciada em mim. Você deseja ser uma lagartixa triste. De hoje em diante, lhe darei uma identidade nova. Seu nome passa a ser Tristixinha – a lagartixinha triste. Ironizou Dona Tristeza criando esta identidade para   Tristixinha.
_ Mas, eu quero ser uma lagartixinha alegre. Afirmou Tristixinha se opondo à Dona Tristeza.
_ Alegrixinha são as lagartixas que você fica assistindo todos os dias sem, no entanto, ter coragem de se aproximar delas. Sem perceber, se seduz a  ter a vida delas ao invés de construir a sua. Começou a ser habitada por Dona Inveja que precisa da minha mãozinha para se manter atuante na sua vida. Se tiver coragem de construir uma vida diferente, provavelmente, teremos que abandonar você. Por outro lado... Antes que Dona Tristeza continuasse falando, foi interrompida pela lagartixinha que se expressou apavorada:
_ Mas, eu não quero ser abandonada! Fui vítima do abandono desde o meu nascimento. Não tenho nada daquilo que as alegrixinhas possuem.
_ Você quer dizer que não possui um pai, uma mãe, enfim ,uma família e  amigos ? Acho que tem medo de ser abandonada até mesmo por mim. Foi por isso que lhe perguntei se desejava mesmo ser abandonada pela dor que lhe proporciono. Parece que te preencho de alguma forma. Mas, há outras maneiras de se preencher. Assegurou Dona Tristeza.
_ Como? Me ensine, por favor! Implorou Tristixinha.
_ Eu não tenho como lhe ensinar isto. Só posso lhe proporcionar o saber da dor. Mais nada além disto. Afirmou Dona Tristeza.
Tristixinha caiu em prantos pela primeira vez. Nunca havia chorado na vida. Sentiu que aquele choro era bom; aliviava um pouco a presença da dor e lhe fazia se sentir mais leve. A tristeza pesa; pesa tanto que, nos últimos tempos,  Tristixinha não conseguia nem se mover mais com facilidade. Cada movimento solicitava um esforço fenomenal. E, sem movimento, fica difícil ir em busca de coisas novas. Um pouco mais aliviada e relaxada, caiu no sono e dormiu profundamente. Foi acordada por uma alegrixinha que bateu, carinhosamente, em suas costas, despertando-a:
_ Ei, quem é você? Você está bem? Precisa de ajuda?
Tristixinha arregalou seus olhinhos assustados e congelou-se. Não conseguia movimentar-se para fugir e nem mesmo para dizer alguma coisa.
A alegrixinha assustada com a reação de Tristixinha chamou, apavorada, toda a família:
_ Socorro! Venham aqui atrás do armário. Temos um grande problema aqui.
A família, unida, correu até aquela parte da casa, até então desconhecida para todos e se depararam com Tristixinha congelada. Naquela momento, aquela lagartixinha triste deixou de ter qualquer sentimento. Anestesiou-se. Não sentia tristeza, medo, monotonia nem mesmo a alegria tão desejada. Parecia uma pedra de gelo. Cada membro da família das alegrixinhas tecia um comentário:
_ Ela parece uma estátua.
_ Mas, ela não é estátua não. È uma lagartixa como todos nós. Está gelada. _ Parece uma pedra de gelo.
_ O que podemos fazer por ela, mamãe?
_ Vamos cuidar dela. Respondeu a mamãe alegrixinha se aproximando ainda mais daquela lagartixa congelada,  colocando as  mãozinhas sobre o seu rostinho, acariciando-a.
_ Com certeza, precisamos cuidar dela. Mas, por onde devemos começar? Perguntou o pai de todas as alegrixinhas.
_ Que tal uma massagem daquelas bem gostosas que a senhora faz na gente, mamãe. Ficamos tão relaxadas com seu toque. Talvez, ela possa relaxar também. Sugeriu a alegrixinha mais velha.
_ Mais do que isto... Precisamos aquecer com o nosso toque este corpinho que parece nunca ter sido tocado. Completou a mãe.
_ Olha como a pele dela está ressecada e pálida. É pele de quem vive uma vida árida e de quem está seca por dentro. Precisamos hidrata-la com o nosso amor. Emendou o pai dando sequencia às observações da esposa.
A família inteira carregou Tristixinha até um dos cantinhos preferidos do sobrado, eleitos por elas, como a sala de massagem. Puxaram-na pelas perninhas e foram arrastando-a, com todo cuidado, para não causarem nenhuma dor física ao corpinho da mesma.
_Cuidado para não machuca-la! Carreguem com cuidado para ela não ficar com o corpo todo doendo amanhã.
Mamãe alegrixinha colocou suas mãos preciosas sobre aquele gélido corpinho  e iniciou uma massagem que durou mais de uma hora. À medida que massageava, o sangue de Tristixinha corria por todas as partes de seu corpo levando uma informação nova. Seu corpinho parecia dizer:
_ Mudança à vista!
Lentamente, seu corpo foi se esquentando e alguns tímidos movimentos começaram a brotar de suas mãozinhas.  Tristixinha sentiu uma sensação tão nova e tão prazerosa que não se permitia abrir seus olhinhos. A única coisa que queria, naquele momento mágico, era experimentar aquele toque. Entregou o seu corpinho, totalmente, para mamãe alegrixinha que doava muito mais do que um toque físico; doava um toque que Tristixinha jamais houvera experimentado antes – o toque do amor.
Terminada a massagem, Tristixinha abriu seus olhinhos. Seu olhar foi recebido por um outro olhar muito afetuoso. Mamãe alegrixinha lhe ofertou um sorriso,  expressando um convite jamais realizado por nenhum outro ser àquela lagartixa:
_ Seja benvinda! Estamos aqui para cuidar de você. Não precisa ter medo. Não lhe faremos mal algum. Só queremos lhe proteger.
_ Quem são vocês? Perguntou Tristixinha.
_ Somos uma família de lagartixas. Onde está a sua família? Perguntou a mamãe alegrixinha.
_ Eu nunca tive uma família, moro sozinha neste sobrado desde o dia em que nasci.
_ Como conseguiu sobreviver? Perguntaram todas as alegrixinhas em coro.
_  Você deve ser muito esperta. Se desejar, pode fazer parte de nossa família agora. Teremos o maior prazer em tê-la ao nosso lado. Afirmou o pai com uma autoridade afetuosa.
_ Mas eu não sei como fazer parte de uma família. Sou muito diferente de vocês. Pode ser que vocês não consigam gostar de mim. Lamentou Tristixinha.
_ Nós já estamos gostando de você. Como você se chama? Perguntou a mãe alegrixinha.
_ Fui rotulada de Tristixinha por Dona Tristeza que me habitou por muito tempo. Respondeu a lagartixinha,  naquele momento,  sem a tristeza dentro dela.
_ E agora, ela não lhe habita mais? Perguntou a alegrixinha mais nova.
_ Depois que fui massageada por vocês, não consigo senti-la mais aqui dentro. Acho que ela me abandonou. Tenho medo de me sentir sozinha e vazia sem a companhia dela. Salientou Tristixinha exalando certa preocupação.  
_ Você está se sentindo vazia e sozinha? Perguntou o pai.
_ Não, nem um pouco! Sinto um sentimento muito bom dentro de mim, mas não sei ainda do que se trata. Ele parece estar tomando conta de meu ser devagarinho. A cada minuto que passo com vocês, sinto cada vez mais forte a presença deste novo sentimento. Explicou Tristixinha começando a cultivar a alegria dentro dela.
_ Você quer deixa-lo entrar e habitar o seu coração ou deseja chamar Dona Tristeza de volta para lhe fazer companhia? Perguntou o pai.
_ Embora eu não conheça este sentimento novo e já conheça bem Dona Tristeza, prefiro arriscar. Vou deixar ele entrar e me habitar. Se eu não gostar dele, mando ele embora. Na verdade, talvez nem precise fazer isto, pois  Dona Tristeza me abandonou sem que eu tivesse que expulsa-la de dentro de mim. Deduziu a lagartixinha, agora, com outros sentimentos dentro dela.
_ Basta deixar entrar um sentimento para que outros saiam ou entre outros junto com ele. Todos os sentimentos que possuem a mesma frequência de energia andam juntos. Quando deixou o amor que sinto por você entrar, parece que a alegria começou a habitar você também. Vejo uma série de outros sentimentos na porta de seu coração pedindo para entrar também. Vejo a paz, a esperança, enfim uma infinidade de sentimentos bons querendo habita-la. Alertou a mãe alegrixinha.  
_ Pois eu vou deixa-los entrar! Exclamou Tristixinha com uma convicção jamais vivenciada antes.
_ E eu vou, de hoje em diante, lhe dar um outro nome. Daqui para frente, chamaremos você de Felixinha. Determinou a mãe das alegrixinhas dando um largo sorriso que além de acolher a nova lagartixinha, lhe proporcionava muita segurança.
Tristixinha foi abrindo seu coração devagarinho e a felicidade foi entrando, também, devagarinho. Quando se deu conta, era só felicidade! Ao longo de sua vida, pôde encontrar, de vez em quando, com Dona Tristeza. Só que depois que se tornou uma Felixinha,  a tristeza entrava e saia rapidamente. Ela nunca mais foi a única moradora de seu coração. Até o sobrado se alegrou com a chegada das alegrixinhas e com a importante mudança daquela lagartixinha que de tristonha se transformou para sempre em uma lagartixa feliz. Hoje, depois de muitos e muitos anos,  a Tristixinha só existe na lembrança de uma família de lagartixas felixinhas. E, quando alguma lagartixa é tomada por uma tristeza duradoura, todas as outras lagartixas recomendam: Se deseja a cura, abra seu coração e siga o exemplo de nossa antepassada e sábia Felixinha. 

ESPAÇO DE REFLEXÃO

1)Quando a tristeza chega em sua vida, é ela quem comanda o espaço que vai habitar ou é você quem comanda o espaço e o tempo  que dará a ela ?
2)Você cala sua tristeza fingindo que ela não existe, ou escuta o que ela tem a lhe dizer?
3) Quando chega a hora da tristeza partir, você deixa ela ir embora ou você se apega a ela, aprisionando-a dentro de ti?



DESAFIO


TRANSMUTAÇÃO!
 Este é o grande desafio para quem deseja se livrar da tristeza. Não basta manda-la embora. É necessário transforma-la. Antes dela se transformar em alegria ou qualquer outro sentimento, é necessário transforma-la em sabedoria. Para isto, você precisa fazer uma importante descoberta. Precisa descobrir que a tristeza veio a serviço de alguma coisa que você precisa vivenciar para amadurecer . Ela deseja desperta-lo para qual aprendizado?
Depois de vivê-la dentro do tempo necessário para este aprendizado, converse consigo mesmo:
A minha tristeza me ensinou que...
Descobrindo o que aprendeu com esta tristeza, é chegada a hora de  mudar de sentimento. Você não precisa mandar a tristeza embora, ela vai sozinha. Você precisa apenas mudar a sua vida. Para isto responda para si mesmo:
O que precisa ser mudado na minha vida daqui para frente?
De posse desta resposta...
MUDE!
E a tristeza partirá.